São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994 |
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Governo FHC vive fantasma da Arca de Noé
FERNANDO DE BARROS E SILVA
É com essa fábula nada ortodoxa que o economista João Manuel Cardoso de Mello, coordenador do programa de governo do ex-presidenciável Orestes Quércia (PMDB), tenta desenhar o perfil do futuro governo do Brasil. ``A grande coalizão conservadora formada em torno de Fernando Henrique foi determinada pelo medo. E agora que não tem mais o sapo barbudo? Como é que ele vai enfiar toda essa gente dentro do governo?", pergunta João Manuel, atualmente licenciado da Unicamp, onde é professor. A resposta dada por ele mesmo aponta para dias sombrios. Em primeiro lugar, diz, porque ``o PFL não quer empregar ninguém, mas sim controlar os aparelhos que mantêm a sua sobrevivência. E disso eles não abrem mão". Em segundo lugar, continua João Manuel, o cenário é negro porque o plano de estabilização caminha dentro da lógica neoliberal, contrariando interesses pesados do empresariado nacional. ``Com essa abertura desenfreada da economia, as privatizações e os juros na lua, a tendência é mesmo de desindustrialização e desemprego. É só uma questão de tempo", provoca o quercista. Além disso, João Manuel acredita que as propostas de reforma da Constituição, já anunciadas por FHC como medidas inaugurais de seu governo, irão dar novo fôlego ao velho fisiologismo. ``O governo vai precisar de 3/5 do Congresso para mudar a Constituição. Pedir isso de saída é demais. Vão cometer uma enorme besteira. O poder de barganha vai aumentar barbaridade", avalia. Outro espectador descrente é o economista Francisco de Oliveira, presidente do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), do qual FHC foi fundador e onde passou 12 anos de sua vida. Filiado ao PT, Oliveira diz que, observando-se as alianças que o sustentam, o governo FHC ``será um desastre do ponto de vista social". Mas faz uma ressalva. ``Minha esperança é que ele, pela força de sua personalidade, dê um outro rumo ao governo. O Fernando tem a ambição de passar à história no mesmo nível de um Getúlio ou de um Juscelino". Seja como for, Oliveira discorda de João Manuel num ponto. Não acredita na ``dissolução" da Arca de Noé. ``Os grandes interesses encontraram no Fernando um canal para o poder e não vão combatê-lo". O mais provável, conclui, ``é um governo de perfil neoliberal, que tentará suprir algumas carências sociais, mas que não conseguirá construir uma nova cidadania nem dar autonomia às classes sociais. Isso faria Lula". O historiador Luiz Felipe de Alencastro, outro cebrapiano eleitor de Lula, sustenta que o ``fernandismo" acabou assumindo conteúdos muito heterogêneos. ``Ronaldo Caiado e Tasso Jereissati ou José Sarney e Antônio Britto não têm nada em comum. O medo de Lula acabou unindo democratas e golpistas, progressistas moderados e conservadores", diz Alencastro. Ainda é uma incógnita se o ``fernandismo" conseguirá sobreviver à Arca de Noé que o tornou politicamente viável. Texto Anterior: ``Não nos deixem sós",brinca Próximo Texto: As noivas de outubro Índice |
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