São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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As noivas de outubro

RICARDO SEMLER

RICARDO FRANK SEMLER
BUKIT, INDONÉSIA - O outono deixa as noivinhas assanhadas e as mães, nervosas. Hora de casar. É nosso Maio, com suas noivetas esparramadas pelos parques para fotos noturnas, flashes espocando em cima do branco e preto matrimonial.
Aqui, as noivas orientais se casam em bloco. Temos nos deparado com dezenas delas, os saguões dos hotéis tomados por risadinhas de madrinhas e peitões de machões. Elas se deitam langorosas sobre os sofás do hotel enquanto o fotógrafo faz a felicidade da Fuji.
Esse lado do mundo é desconhecido para nós, fica difícil entender qualquer coisa. Vai que aceitemos o raciocínio dos japoneses que fazem pacotes turísticos para a Austrália em grupos de cem noivas, todas vão no mesmo vôo fretado, ficam em hotéis próximos e depois saem de lua-de-mel para a chamada Costa Dourada. Que seja.
Mas e os indianos? Estatística recente mostra que 81% dos casamentos na Índia ainda são arranjados pelos pais, com parte importante entre cônjuges que se conhecem pela primeira vez durante a cerimônia.
Na China, então, a coisa para homens solteiros ficou preta. Por causa da tradição pela qual a mulher vale pouco socialmente, tendo como consequência o pagamento de pesadíssimo dote por parte do pai da noiva, o infanticídio de bebês do sexo feminino atingiu proporções dantescas quando o Companheiro Mao Tse-tung tentou segurar o crescimento populacional, determinando que cada casal tenha apenas um filho.
Depois de décadas disso, e considerando que também lá existem muitos casamentos arranjados, homens solteiros acima de 30 anos são oito vezes mais numerosos do que mulheres solteiras da mesma idade. Em poucos anos haverá dezenas de milhões de homens solteiros sem parceiras na China. Para as mulheres brasileiras que gostaram do sensual chinês do filme ``O Amante", embarque imediato para Shanghai, porta 22...
Já para as bem-casadas que ficaram bravas com o artigo desta Folha que dissertava sobre métodos para apagar vestígios de traição dos mariposas durante férias, os japoneses têm um algo a mais. Trata-se da estação de frequência AM que se chama Rádio Álibi.
Para os mariposões de Osaka, essa estação oferece uma programação de 24 horas em duas frequências: uma transmite ruídos de escritório, e a outra, barulho de trânsito. Servem como álibis perfeitos para telefonemas às esposinhas, feitos de motéis silenciosos.
É só ligar o rádio ao fundo, fazer voz de cansado –coisa fácil naquela situação– e explicar que o Matsumoto-san, aquele gordinho simpático, vai lhe deixar em casa daqui a pouco.
Aqui na Indonésia, então, o globo roda mais devagar. Acabaram de ser proibidas as imagens, pela TV estatal, de cantores de rock que tenham cabelos compridos. ``Queremos dar um exemplo aos jovens", disse o ministro. Ah, bom.
Na vizinha Cingapura, então, os valores familiares continuam em alta, promovidos pelo governo. O primeiro-ministro Goh retirou benefícios habitacionais do Estado para mulheres solteiras e anunciou um subsídio de 20 mil dólares para casais que comprassem apartamentos perto de seus pais.
E, nesta semana, anunciou-se o impensável poucos anos atrás: vai subir o primeiro hotel americano Hilton no Vietnã. Quem diria. E a China terá exatos dois Brasis a mais de população nos próximos 30 anos. Os saguões do Hilton ficarão cheios de noivinhas empacotadas pelas agências. É, nosso Brasil é longe mesmo...
P.S.: Achei uma graça a explicação de que haverá ``superávit primário" de 36% num orçamento que prevê R$ 1,3 bilhão de gastos acima das receitas. E ainda fazem de conta que são obrinhas poucas e baratas que vão tocar. O total é escandaloso, olhar apenas o acréscimo do ano é artifício.
E fico sabendo que aumentar o IPTU através do velho truque de mexer no valor venal, bem como eliminar isenções aos pobres, está sendo feito para preservar a sociedade. Ah, bom, seremos uma cidade quebrada, mas por ``razões humanitárias."

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