São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Combate organizado

CARLOS EDUARDO DE ATHAYDE BUONO ; ANTONIO TOMÁS BENTIVOGLIO

CARLOS EDUARDO DE ATHAYDE BUONO e ANTONIO TOMÁS BENTIVOGLIO
O conjunto de medidas necessárias ao combate do crime organizado é insuperável no atual contexto da sociedade brasileira. Estamos diante de um conceito amplo. O crime organizado não se limita ao âmbito das atividades das quadrilhas e dos bandos.
Por trás dele, não se esconde necessariamente uma organização criminosa comum controlada por um chefe. A sua prática geralmente é possível graças ao desmembramento de uma série de operações complexas e conjuntas.
A participação das pessoas jurídicas, através de seu interesse particular ou de seus sócios, costuma ter efetiva ação nestes tipos de crimes, especialmente quando a vítima é a administração pública.
O comprometimento dos chamados agentes públicos não pode absolutamente ser esquecido. Estes acabam muitas vezes colocando os seus ``serviços" à disposição dos criminosos.
Passam informações, fazem as contrafações de documentos públicos e auxiliam enormemente os delinquentes nas licitações e nas concorrências públicas. A burocracia faz a sua parte, auxiliando, e muito, ao sucesso do crime.
Este quadro requer, com o perdão da palavra, um combate também organizado. Em primeiro lugar, as empresas precisam ser controladas para coibir a prática de lesões ao erário com a corrupção dos agentes públicos.
A lei de enriquecimento ilícito, segundo anteprojeto apresentado pelos autores, contempla a chamada ``pena de morte para as empresas", permitindo a dissolução judicial daqueles que praticam crimes contra a administração pública.
A regulamentação da escuta telefônica, por outro lado, é fundamental para o afastamento de eventuais dúvidas interpretativas da Constituição Federal. Desta forma, lança por terra todos os atribulados dissídios jurisprudenciais.
O combate exige, ainda, que várias medidas processuais sejam efetivadas o mais rápido possível. A primeira delas diz respeito à quebra de sigilo bancário. Assim como ocorre na Itália, esta determinação não deve existir para o Ministério Público que, enquanto órgão imparcial, necessita de elementos suficientes para aferição de provas.
A lei atual lamentavelmente permite ao criminoso justificar valores, desvelos e desleixos, de forma a garantir a própria impunidade. Pior: o contraventor acaba beneficiado pela Constituição Federal que, não regulamentada, favorece o crime organizado.
Medidas cautelares, diretamente produzidas pelo Ministério Público em caráter de sigilo absoluto, também precisam ser aprovadas e colocadas em prática. A exemplo das chamadas ``perquizioni" da legislação italiana: inspeções em geral (ambientais, domiciliares, de coisas e pessoas); buscas e apreensões, e sequestros (de correspondência, dados e documentos junto aos bancos e instituições financeiras) que devem ser comunicadas ao juiz num prazo máximo de 48 horas.
O Brasil tem elaborado tratados de cooperação judiciária em matéria penal (v. g. Uruguai e Itália), especialmente visando a quebra do sigilo bancário e a propositura de medidas cautelares. Cumpre implementá-los, ampliá-los e estendê-los aos outros países o quanto antes como forma de instituir um combate organizado.

CARLOS EDUARDO DE ATHAYDE BUONO, 43, é procurador da Justiça e presidente da Comissão de Combate ao Crime Organizado do Ministério da Justiça.

ANTONIO TOMÁS BENTIVOGLIO, 38, é promotor de Justiça e coordenador da Comissão de Combate ao Crime Organizado.

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