São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Deficiência do Judiciário facilita corrupção

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

As apurações no Rio de Janeiro, a decisão de recontar votos e de nova edição ocuparam o noticiário político da semana, com a desagradável conotação de que algumas das irregularidades denunciadas tenham tido a participação de órgãos do Poder Judiciário, por ação ou omissão. Ficou no ar a alternativa de que a corrupção teria envolvido a magistratura.
Para quem trabalha com o direito é muito triste admitir a possibilidade do juiz corrupto ou gravemente omisso. Mas, como evidente, ninguém fecha os olhos para certas realidades, das quais nem mesmo o Judiciário conseguiu escapar.
O Judiciário ainda é, na maior parte dos Estados, um Poder sério, honesto como regra. Mas, também na maior parte do território brasileiro é organismo de governo caracterizado pelo emperramento. A máquina estatal tem o monopólio da Justiça, mas é incapaz de bem se desincumbir dele, em termos compatíveis com a quantidade da clientela e com a pluralidade dos interesses envolvidos.
Examinada a questão do ponto de vista individual, vê-se o despreparo dos juízes para decidirem rápida e qualificadamente, ainda que sob pressão. Sidnei Agostinho Benetti, valoroso lidador da magistratura paulista, numa conferência feita em 1984, tracejou o perfil do juiz-juiz. Depois de afirmar que o magistrado não é a vestal do templo, nem um dos ``pretensos heróis que aparecem na marcha triunfal da vitória", também não é o profissional destinado a questões fáceis, mas ser humano capaz de enfrentar a luta.
Produto do nível rebaixado do ensino jurídico, o jovem ingressa na magistratura com absurdo despreparo para a vida e, portanto, para o duro combate desenhado por Benetti. Foge da coletividade que o cerca. Torna-se arredio. Agressivo. Temoroso de que suas insuficiências apareçam.
Quando se salta da visão individual para a do conjunto compreende-se melhor a análise serena de Petrucio Ferreira, presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Em discurso recente Ferreira reconheceu que o Judiciário se acha ``abarrotado de processos, emperrado através de uma máquina que tem relutado em acompanhar os tempos...", mas ressalvou que se mantém –especialmente a Justiça Federal– perto do povo, como se viu quando impediu abusos dos planos econômicos, especialmente dos duros bloqueios de economias populares.
Ainda que haja, como disse Petrucio Ferreira, ``magistrados que sempre buscam justificativas para cometer a maior das injustiças, a justiça tardia...", a média da magistratura brasileira é composta por gente preocupada com a qualidade de seus serviços. Vladimir Passos de Freitas, em editorial na revista da Associação dos Juízes Federais, intitulado ``Deveres e direitos" esclareceu: ``A inversão do título é proposital. É que, para nós, juízes federais, os deveres antecedem os direitos. É a nossa rotina, sem qualquer demagogia".
Ninguém duvida, porém, que as deficiências materiais e humanas, nas várias ``Justiças" do Estado brasileiro, são o campo fácil em que pululam as suspeitas, prejudicando todo o conjunto. Os fatos do Rio de Janeiro têm efeitos que ultrapassam as fronteiras do Estado fluminense. Contribuem para o pior dos males que pode atingir o Judiciário: a perda de confiança. Diminuída ou extinta a confiança no juiz, sacrifica-se a esperança de que o direito possa sobreviver. A paz social fica sob ameaças de se romper. A democracia treme.

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