São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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É necessário aliviar a carga tributária

OSIRIS LOPES FILHO

A adoção de um plano de estabilização, como o Real, que vem tendo relativo sucesso, conjugada com a necessidade de serem realizadas mudanças fundamentais no país, põem em xeque a carga tributária suportada pelos contribuintes e, principalmente, a sua distribuição entre os vários segmentos que compõem a população.
A carga tributária global (somatório dos tributos de todas as esferas de governo) tem-se, nos últimos anos, situado em torno de 25% do PIB. Na comparação que se realizasse com a carga tributária de outros países, poder-se-ia concluir que a sua intensidade é de nível médio.
Todavia, esse critério é insuficiente para a sua avaliação, pois o importante é a correlação que se estabeleça entre o montante de recursos extraídos coercitivamente da população a título de tributo e a retribuição que o Estado realize por meio de prestação de serviços públicos à coletividade.
Nesse ponto não é exagero dizer que a carga tributária adquire intensidade elevadíssima, porquanto o Estado brasileiro é inadimplente na prestação adequada dos serviços essenciais: saúde, segurança, transporte, educação, assistência social e previdência.
Em realidade, a carga tributária brasileira mostra-se mais pesada do que a dos países escandinavos (Suécia, Noruega e Dinamarca), que se situa em torno de 50% do PIB, tendo em vista que, enquanto nesses países os serviços públicos funcionam e são dotados de qualidade, aqui são ineficientes, perdulários, não beneficiando adequadamente os administrados.
O quadro se agrava se for considerado que o nível de evasão tributária, no Brasil, é alarmantemente elevado. Situa-se, ainda, em torno de 50% da base tributária. Dito de outra forma, para cada real arrecadado, outro é evadido. Quando um contribuinte correto paga o imposto devido, está pagando a cota que lhe caberia, se houvesse um critério de justiça na distribuição da carga tributária, mais um quantum correspondente ao que deveria ter sido pago por outro contribuinte, que se evade.
A causa mais próxima dessa injusta carga tributária localiza-se num processo perverso adotado pela ditadura militar para obtenção de aumento de arrecadação: a facilidade de editar decretos-leis, sem contestação, por manipulação da norma tributária, elevando a carga tributária do contribuinte correto e daquele que não tem como escapar do pagamento do tributo (os assalariados). Era necessário mais dinheiro para as burras do Estado, elevavam-se os impostos ou criava-se um novo tributo. Essa era a prática.
O resultado é que se chegou aos dias atuais, em que a carga tributária é brutal para os que pagam adequadamente os impostos, dando-se uma vantagem competitiva ao evasor, que enfrenta o concorrente que paga os tributos devidos, em condições excepcionalmente favoráveis, apropriando-se egoisticamente das quantias que corresponderiam ao tributo.
Afora os aspectos éticos, que tornam reprovável a evasão tributária, é de se considerar que, nas empresas, a elevada carga tributária existente induz à evasão, seja para enfrentar-se a concorrência evasora, seja para conseguir-se a sobrevivência econômica do negócio.
As empresas têm suportado uma carga elevadíssima de tributação indireta: IPI, ICMS, PIS, Cofins, IPMF, IVVC, ISS, com sérios reflexos em seu capital de giro e investimentos.
Essa sobrecarga tributária, embora repassável ao adquirente, ao ser embutida no preço de venda de mercadoria ou serviço, na realidade causa graves transtornos às unidades econômicas, levando-se em conta que uma tributação indireta sobre vendas que ultrapasse 30% do seu preço é muito elevada.
Há determinados setores em que a simples soma do IPI e do ICMS ultrapassa com folga esse nível. Só para exemplificar, cigarros têm a sua carga tributária em torno de 80% de seu preço final e alguns produtos do setor de cosméticos têm carga em torno de 70%.
Essa situação se revela insustentável nos dias atuais. É necessário modificá-la, para tornar o sistema tributário mais racional e justo.
O absurdo da situação atual consiste no fato de que quem absorve finalmente a carga tributária, em caráter majoritário, é a classe trabalhadora do país, sejam empregados ou profissionais liberais.
Historicamente, no Imposto de Renda da pessoa física, 70% da sua arrecadação concentram-se nos rendimentos do trabalho assalariado; 20% no trabalho não-assalariado e, finalmente, os restantes 10% em vários rendimentos, aí incluídos os de capital.
Considerando-se o fenômeno da transferência da carga tributária, relativo aos impostos que incidem sobre as vendas, chegar-se-á à conclusão de que quem paga os impostos são os trabalhadores.
Não se pode esquecer de que todo o sistema tributário está impregnado da contaminação inflacionária. Foi sendo adaptado a esta ambiência. Prazos de recolhimento curtos para evitar a deterioração do montante do imposto a ser pago, indexação, carga tributária elevada dirigida aos contribuintes que não têm como fugir ao seu pagamento, tudo isso tem de ser reestudado, para que se estabeleça a adaptação do sistema tributário a uma economia em processo de estabilização. É o que se espera de um governo comprometido com as mudanças.
O prioritário, no momento, é o reestudo dos níveis de incidência dos vários impostos nas três esferas de governo, para dar-se sequência ao plano de estabilização no universo tributário, tornando suportável e justa a distribuição da carga tributária entre os vários segmentos da população do país.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, é professor de Direito Tributário e Financeiro na Universidade de Brasília, advogado e ex-secretário da Receita Federal.

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