São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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EUA param testes sobre câncer de mama

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Por frouxidão administrativa, que ensejou até fraude em certos casos, foi suspensa nos Estados Unidos a execução do vultoso projeto NSABP (Projeto Nacional de Cirurgia Adjuvante da Mama e do Intestino) e com ele a parte já em andamento de programas sobre os efeitos curativos e preventivos do fármaco tamoxifen no câncer mamário.
Esses ensaios, de grande importância, envolvem dezenas de milhares de mulheres e a colaboração de mais de 400 centros clínicos.
O plano consiste em comparar a ação da droga com a de simulacros inertes (placebos) ministrados durante cinco anos e feita a observação dos pacientes durante sete anos. A suspensão do teste fez renascer antigo debate sobre o risco de dar a mulheres sadias, embora com alta tendência ao câncer mamário, uma droga tão potente sem prévio ensaio clínico, que naturalmente abrange o estudo do fármaco em animais de laboratório.
O aparecimento, na ocasião, de vários cânceres do endométrio (membrana que forra o útero) seguidos de morte (esse tipo de câncer é curável) intensificou os debates. Não obstante, o uso preventivo da droga vem sendo largamente prescrito nos Estados Unidos, consequência em grande parte do prestígio do cirurgião e cancerologista Bernard Fisher, de Pittsburgh, Pensilvânia, que há duas décadas vem testando o tamoxifen em suas clientes.
Originalmente criado, e abandonado, como anticoncepcional na década de 60, o tamoxifen passou a ser desenvolvido como curativo do câncer mamário na década seguinte. Havia lógica nessa indicação, porque a droga se liga a um receptor celular para o estrogênio (hormônio sexual feminino), bloqueando a capacidade do hormônio natural de promover o crescimento. O tamoxifen rapidamente se impôs na quimioterapia, aumentando a sobrevida das pacientes com câncer mamário, praticamente não revelando efeitos colaterais e reduzindo de 40% o surgimento do tumor no outro seio.
Além disso, a droga estimula o endométrio, inibe a perda de matéria óssea, baixa o teor de lipídeos no sangue causadores da aterosclerose e diminui a incidência do câncer mamário em mulheres com alta propensão para ele.
Experiências realizadas em animais de laboratório revelaram em alguns casos ação carcinogênica no fígado, o que todavia não se confirma em estatísticas humanas, além de câncer endometrial e mamário. Não obstante, o levantamento dos riscos e benefícios da droga animou as autoridades do Instituto Nacional do Câncer, que autorizaram programas como o NSABP e outros, colaterais.
Os ensaios continuaram sem acidentes de monta até o fim de 1993, quando se verificou que a droga estava provocando câncer endometrial em proporção superior à prevista, sendo fatais alguns dos casos.
Muito debate foi estimulado por esses fatos, porém análises mais refinadas das estatísticas mostraram que das 8.000 mulheres tratadas com tamoxifen num dos ensaios, cerca de 132 têm probabilidades de evitar o câncer mamário pelo uso da droga.
Os especialistas que autorizaram o prosseguimento dos trabalhos impuseram todavia que as pacientes fossem bem informadas do risco e passassem a fazer exame do endométrio uma vez por ano, à custa do governo.
Os proponentes da continuação do grande ensaio provocado pelo entusiasmo de Fisher alegam ser importante terminar o esforço começado em 1992 porque os médicos já estão receitando o tamoxifen a mulheres com alto risco de câncer mamário, mesmo na ausência de prova crucial de que o tratamento funcione.
A revista ``Science" (264, 1524, 1534 e 1550) trata longamente da questão do tamoxifen e do monitoramento dos ensaios clínicos.

Excepcionalmente as seções "Sem Mistério", "Sinopse" e "A Curva" não estão sendo publicadas esta semana.

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