São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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Lacan uniu psicanálise à linguística

GRAZIELA C. PINTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) é o responsável por uma releitura radical da obra de Freud a partir da linguística, da filosofia e da antropologia. Psiquiatra por formação, ele redefine a prática clínica reiterando seu status dentro das ciências humanas e distanciando-a do modelo orgânico da psiquiatria.
Em 1953, no ``Informe ao Congresso de Roma", Lacan apresenta as linhas mestras de sua teoria, diferenciando a psicanálise da ``psicologia do ego" –tendência hegemônica na década de 50, que procurava adaptar os conflitos humanos às normas sociais.
Na década de 60, Lacan ilumina a obra freudiana com textos de autores como o antropólogo Lévi-Strauss e o linguista Ferdinand de Saussure, inscrevendo a psicanálise no movimento estruturalista.
Partindo da tese de que o mundo das palavras cria o mundo das coisas, ele coloca o homem como um ``ser simbólico", atravessado pela linguagem e a ela submetido. O inconsciente torna-se uma estrutura apreensível à flor das palavras.
Na obra freudiana, o complexo de Édipo é a matriz da trama psíquica. Lacan coloca este complexo na fundação da própria estrutura inconsciente, que a ela dá origem através de uma operação lógica que culmina com o discurso paterno como representante da interdição e da cultura.
A noção de discurso é o ponto crucial da inter-relação lacaniana de linguística e psicanálise. Para Saussure, o signo é formado por dois elementos complementares: o significante –parte acústica da palavra– e significado –objeto designado. Lacan assinala a preponderância e a autonomia do significante sobre o significado na linguagem do sujeito do inconsciente. Dessa forma, ele afirma que ``o inconsciente é estruturado como uma linguagem".
Para Lacan, o homem se expressa em três planos distintos, mas complementares. O ``imaginário" é o registro da percepção, das representações ideativas e imaginativas, que dão ao sujeito a ilusão de possuir uma consciência autônoma. O ``simbólico" é o registro das palavras e suas consequências, do significante independente do significado, articulado ao desejo do sujeito e não a sua racionalidade. O ``real" é o registro das representações não codificadas pelo imaginário nem pelo simbólico, mas capazes de desestruturar o sujeito, surpreendendo-o.
A articulação desses registros define uma prática analítica específica. Lacan institui, por exemplo, o ``tempo lógico", que consiste em interromper a sessão num momento preciso da fala do analisando. Esse corte, em cima de uma ``palavra significante", sintetiza o discurso proferido na sessão, remetendo a uma significação.
O abandono do tempo cronológico em favor da lógica do discurso é um dos aspectos polêmicos de sua obra, assim como a forma de transmissão oral de sua teoria –os seminários. Neles, Lacan cria um estilo árduo, barroco, presente também em seus textos, ``escritos para não serem lidos". Eles metaforizam, enfim, a própria estrutura do inconsciente.

O QUE LER DE LACAN
Alguns dos ``Seminários" de Lacan foram publicados por Jorge Zahar Editor; os ``Escritos" saíram no Brasil pela Perspectiva.

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