São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TRECHOS DA BIOGRAFIA

``Em outubro, sabendo que Sylvia esperava um filho, Lacan não hesitou em anunciar a boa-nova a Malou. Extremamente feliz com a idéia dessa próxima paternidade, queria partilhar sua alegria com a esposa legítima, sem preocupar-se com o fato de que esta, no oitavo mês de gravidez, estava a ponto de dar à luz. Já muito machucada pela existência dessa ligação à qual tentara em vão pôr fim, ela não suportou a crueldade daquele a quem continuava a amar e desmoronou sob o peso da humilhação. Lacan disse-lhe então essa frase assombrosa: `Farei o mesmo a você cem vezes mais'. (...) Certamente Lacan foi afetado pelo sofrimento de Malou, mas, como assinala muito bem Georges Bernier, `ele era de um sangue-frio admirável com as histórias de mulheres'."

``A criança que acabava de nascer era biologicamente filha de Lacan, mas não podia em nenhuma hipótese receber o nome do pai. Nessa data, este ainda era casado com Malou, e a lei francesa proibia-o de reconhecer um filho nascido de outra mulher. Foi portanto Georges Bataille quem deu seu nome à filha de Lacan e de Sylvia. Havia aí distorção entre a ordem legal, que obrigava uma criança a receber o nome de um homem que não era seu pai, e a realidade das coisas da vida, que fazia essa criança ser a filha de um pai cujo nome não podia usar. Não há dúvida de que sua teoria do `nome-do-pai', que formará o pivô da doutrina lacaniana, encontrou um de seus fundamentos no drama dessa experiência vivida em meio aos escombros e à guerra."

``Em setembro, às vésperas de viajar a Roma, escreveu-lhe de novo. Anunciou o casamento com Sylvia e tornou a repetir a importância que atribuía à religião. Depois entrou direto no assunto: fazia questão absoluta de obter uma audiência com o papa, a fim de falar com ele sobre o futuro da psicanálise na Igreja. Assim, pedia a intervenção de Marc-François junto às autoridades competentes. A carta era redigida com toda a ênfase necessária. Lacan sublinhava que o nó de seu ensino estava em Roma, onde seria mostrada a importância, para o sujeito, da fala e da linguagem. Era nessa cidade sagrada que ele se propunha `prestar sua homenagem ao pai comum'."

Trechos de ``Jacques Lacan", de Elisabeth Roudinesco

Texto Anterior: Lacanismo nos trópicos
Próximo Texto: O mais brasileiro de todos os franceses
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.