São Paulo, sexta-feira, 4 de novembro de 1994
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Londres guarda surpresas, mas nem todas são boas

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LONDRES

Em honra aos leitores, em Londres, saí à cata de bons restaurantes. Um dos meus sonhos era conhecer Nico Ladenis, famoso chef de boa cozinha e mau humor, que já fez uma peregrinação pelos bairros de Londres, mudando de endereço várias vezes.
Ladenis escreveu um livro muito interessante nos anos 80 e agora –para meu gosto– enlouqueceu. Está cozinhando no Chez Nico at Ninety, Park Lane, no Grosvenor Hotel. É aquela história de restaurante de hotel metido a chique, cadeiras Luís 15, linho engomado, garçons à antiga, coisa que eu só aguento se a comida for do outro mundo. Mas não era.
Pesada, sem imaginação, bruta até, toda trufada e com bifões de foie gras untuosos. Detestei a pretensão e a jequeira do lugar.
Fomos ao The River Cafe (Thames Wharf, Rainville Road, E6 9 HA, tel. 00 44 71 381-8824), um restaurante simpaticíssimo, à margem do Tâmisa, entre Putney e Hammersmith.
As proprietárias são duas mulheres, e uma delas, Ruthie Rogers, é casada com Richard Rodgers, o arquiteto conhecido por seus projetos para o Centro Pompidou, em Paris, e o edifício do Lloyd's Bank, em Londres.
Há uns seis anos Rodgers comprou uns galpões para transformá-los em escritórios de arquitetura, estúdios para desenhistas, firmas de publicidade. Era preciso que as pessoas tivessem um bom lugar para almoçar. Desenhou o restaurante, e Ruthie quis tomar conta dele. Havia aprendido a cozinhar com a sogra florentina, arranjou sócia toscana, tomou o peão na unha e, já em 89, receberam o título de melhor restaurante italiano de Londres dos críticos do "The Times".
O menu –escrito a mão– é pequeno, mas a comida é ótima e o lugar bonito, branco, claro, com um relógio projetado em sombra na parede, caminhando para a última hora, 23h, quando o restaurante fecha. Uma experiência informal de boa comida, alto astral, gente simpática e alegre.
Comemos "insalata di copa di Parma". Os verdes eram uma misturinha de dente de leão (taraxaco), azedinha, rúcula, segurelha. Depois, "lingine con granchio", massa com siri fresco, pimenta, salsa, coentro.
Experimentei um "osso buco", de vitela, à milanesa, cortado mais grosso, com bastante tutano, feito em fogo brando, a carne se desmanchando de macia. O acompanhamento era nosso velho arroz de forno de guerra, com abóbora cortada em cubos mínimos, temperadinho, gratinado. Tudo perfeito.
A sobremesa me assustou um pouco, mas enfrentei. Polenta com sorvete. Não que eu quisesse comer angu com sorvete, mas e a curiosidade? Leve desaponto. Era um bolo de fubá e limão, vaporoso. As sobremesas não são as de grandes "pâtissiers" franceses, mas sim caseiras, gostosas, geralmente comida de alma.
A emoção, mesmo, veio com o restaurante Alastair Little, que leva o nome do proprietário e chef (49, Frith Street, W1V 5TE, tel. 00 44 071-734-5183). Segui sua carreira, o enfant terrible, o autodidata da cozinha inglesa. Para não ficar enrolando, ele é do tipo genial. Você lê o menu, que muda todo dia. É curto e pouco explicativo.
O lugar é mais do que simples, guardanapo de papel, mesa sem toalha, nada que inspire muito. Mas, quando chega o prato, há que se ficar agradecido e comovido. Ah! Ficamos mesmo, minha filha e eu. Aquele toque leve e único de intuição e gênio. Sempre tenho medo das misturas esdrúxulas de uma "nouvelle cuisine" mal digerida.
Esse homem é pura graça, bom gosto, coerência, simplicidade. Mediterrâneo? Japonês? Eclético? Não! Pessoalíssimo. Usa técnicas e ingredientes japoneses, tailandeses, chineses, franceses, ingleses e sintetiza tudo em comida boa e simples. Falar é fácil. Mas foi lá que entendi de verdade o que é essa síntese.
Um estar à vontade entre técnicas e ingredientes e usar de tudo um pouco sem privilegiar uma corrente étnica ou um modismo. Os ingredientes, maravilhosos, sem dúvida, são a alma da coisa. Os molhos perfeitos, tempero cuidadíssimo, criatividade domada. É demais!
Comemos um bacalhau fresco, posta grossa, sobre molho de carne ferruginoso, com um pouco de grão de bico. Costelas de carneiro com feijão branco. Tudo parece tão óbvio, mas que bonito e bom! Muita gente acha que Alastair Little é o melhor restaurante de Londres, ou da Europa. Não conheço tantos, mas aposto que é verdade. Informal, simples, ingredientes espetaculares, uma alma aventureira e um grande resultado.

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