São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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A intervenção é enganação

LUIZ FLÁVIO GOMES

Nosso sofrido país (particularmente o Rio de Janeiro) vem servindo de laboratório não só para as novas tendências da criminalidade (principalmente organizada) senão, sobretudo, para a adoção das mais variadas e inconsequentes medidas de política criminal.
O amadorismo (e a irracionalidade) da posição estatal diante desse grave problema que é, antes de tudo, social (comunitário), só vem confirmar que o crime continua sendo para o homem moderno um "acertijo" (enigma).
Sabemos muito pouco sobre as verdadeiras raízes do delito e nos comportamos como se soubéssemos menos ainda. É, de outro lado, um campo muito propício ao engodo, ao engano, até porque há uma forte predisposição popular (explicada pela psicologia social).
A fraude governamental maior para "solucionar" nosso problema criminal começou em 1990, quando foi editada a Lei dos Crimes Hediondos: ofereceu-se a ilusão (socialmente apaziguadora) de que "com penas mais severas" tudo seria resolvido.
Como a varinha mágica de 90 não funcionou, o Estado agora, querendo demonstrar "força" e "capacidade de agir" (o povo tem de acreditar que o Estado consegue controlar tudo), por meio de uma ação "planejada" e coordenada pelo Exército, promete "a preservação da Lei, da ordem pública e da segurança, a prevenção e repressão do contrabando e do tráfico, orientação e assistência técnica, operacional e material, a vigilância às vias de acesso ao Rio, o reforço das polícias etc.".
Da política criminal clássica (confiança da lei severa) passou-se para a política criminal neoclássica (confiança no funcionamento do sistema); da política preventiva "dissuasória", passou-se para a política preventiva "obstaculizadora".
A desgraça é que, cientificamente, como demonstra a moderna criminologia, quase nada dessa política criminal "simbólica" serve para atenuar o gravíssimo problema da criminalidade.
A intervenção militar "localizada", que pode imediatamente oferecer algum alívio, tem como efeito principal o seguinte: o crime só muda de lugar. Com a intervenção no Rio, que se cuide o resto do país!
Sérios e duradouros são os programas de prevenção primária, que se orientam às causas do delito, às suas raízes, para neutralizá-los, antes que se manifeste. Educação, socialização, casa, trabalho, salário digno, bem estar, qualidade de vida..., eis a solução. O resto é direito penal simbólico, isto é, pura "enganação".

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