São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Fóssil africano de 4,4 milhões de anos inicia linhagem hominídea

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A revista "Nature" publicou artigo em que Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e uma equipe internacional referem a descoberta na Etiópia de hominídeo fóssil que talvez represente o primeiro espécime dessa linhagem, o ponto em que divergiam os ramos formados respectivamente pelos antropóides (os grandes macacos) e pelos homens.
Ao novo fóssil deram o nome de Australopithecus ramidus, da palavra que significa raiz na linguagem Afar local.
O primeiro indício do fóssil foi visto por Gen Suwa, da Universidade de Tóquio e membro da expedição, que percebeu sobre uma rocha objeto que ele imediatamente reconheceu tratar-se de molar hominídeo, o que foi confirmado.
No sítio dessa descoberta (Aramis) acharam os exploradores muitos fragmentos fósseis a partir dos quais foi reconstituído um hominídeo fóssil de andar bípede e pequena estatura (1,20m).
As provas do bipedalismo são ainda precárias. A mais convincente é um fragmento de occipital com um "foramen magnum" – orifício pelo qual a medula espinhal penetra no cérebro, e cuja forma varia com a postura natural do indivíduo.
Além disso os braços revelam sinais de postura ereta e não de andar encurvado apoiado nos punhos, típico dos antropóides. Os dentes e os ossos cranianos são semelhantes aos dos antropóides fósseis.
Para alguns especialistas, como Bernard Wood, da Universidade de Liverpool, o novo fóssil é sem dúvida o início da linhagem hominídea, mas para outros, como Don Johanson, devem ainda existir outros elos mais primitivos até chegar ao primeiro representante do grupo. Com efeito, o ramidus data de 4,4 milhões de anos, enquanto vários indícios imunológicos apontam para entre aquela data e 6 milhões de anos a idade do primeiro hominídeo.
A idade do ramidus está muito bem determinada, pois seus restos fósseis se encontravam em lugar adequado, bem acomodados entre rochas sedimentárias cobertas de cinzas vulcânicas radioativas. Em 1974 Johanson descobriu no sítio Hadar, 80 km ao Norte de Aramis, o primeiro australopiteco bípede– o Australopithecus afarensis– também conhecido por Lucy. Esse fóssil feminino ganhou grande celebridade e foi muito estudado. Sua incontestável postura bípede contrasta com certos aspectos cranianos, que são de antropóide. Aliás, Lucy prova que o bipedalismo surgiu antes do aumento cerebral.
Esse bipedalismo criou debate entre os especialistas quanto à origem dessa característica. A hipótese mais aceita para explicá-la consiste em admitir que ela tenha se desenvolvido quando as florestas foram substituídas, por motivos climáticos, por savanas que permitiam visão mais distante e caminhadas mais longínquas carregando alimento e filhos. Assim, o afarensis estaria adaptado a vida mais livre, enquanto o ramidus ficaria restrito ao interior da floresta. Existem abundantes indícios de que de fato assim ocorria (sementes, lenha petrificada, fósseis de animais da floresta etc.)
Os cientistas estão ainda discutindo se o novo hominídeo é realmente o primeiro fóssil da linhagem dos australopitecos, ou se entre ele e o suposto hominídeo inicial existiram outras formas, outros elos. Mas isto só se resolverá com muito maior número de explorações.

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