São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
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Há cinco anos sem o Muro, Alemanha continua dividida

SILVIA BITTENCOURT
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BERLIM

Sexta-feira, 4 de novembro de 1994: na Porta de Brandemburgo, centro de Berlim, um vendedor ambulante garante a um grupo de turistas ser verdadeiro o pedaço de muro que está vendendo. "O Muro de Berlim está fazendo aniversário", brinca.
Na verdade, o "aniversário" é da queda do Muro, há cinco anos.
Erguido em 1961 pelo governo socialista da antiga República Democrática Alemã (RDA), O Muro de Berlim tornou-se símbolo da divisão da Alemanha e palco de originais tentativas de fuga por parte dos alemães-orientais, muitas vezes terminadas em morte.
O Muro caiu na noite de 9 de novembro, em meio às manifestações que na época abalaram a RDA e todo o Leste europeu.
Hoje, pedaços daquele monumento podem ser vistos em apenas três pontos da cidade.
Primos pobres
O fim do Muro, porém, não acabou com a divisão da Alemanha. O país continua dividido do ponto de vista econômico, social e psicológico.
"Nos sentimos alemães-orientais, não alemães", disse à Folha um grupo de estudantes de Berlim Oriental.
Tratados como uma espécie de "primos pobres", os alemães-orientais –apelidados de "óssis"– se sentem desprestigiados pelos alemães-ocidentais –os "wessis" (pronuncia-se "véssis").
Berlim reflete a divisão. "Wessis" e "óssis" –que na noite da queda do Muro se abraçavam sob fogos de artifício e com champanha na mão– agora se estranham.
"Meus amigos vêm principalmente do Leste. O tipo de vida e os interesses de alemães orientais e ocidentais são muito diferentes", afirmou a bioquímica alemã-oriental Antje Lass, 26.
Na periferia de Berlim Oriental, capital da extinta RDA, estão os bairros pobres da cidade, que chocam em comparação com o luxo de algumas regiões de Berlim Ocidental.
Nos bairros mais pobres, onde há muito desemprego e insatisfação, o Partido do Socialismo Democrático (PDS) –sucessor do antigo partido socialista que governava a RDA– conseguiu se eleger no mês passado para o Parlamento Federal.
Rápido demais
O voto nos socialistas foi visto como um voto de protesto contra o governo conservador do chanceler (chefe de governo) Helmut Kohl e o processo de reunificação.
Pesquisas indicam que, para 70% dos alemães-ocidentais, a reunificação foi rápida demais, o que prejudicou o país e provocou traumas.
Apesar disso, o partido do chanceler, a União Democrática Cristã (CDU), saiu vitorioso das últimas eleições para o Parlamento.
O voto na CDU, porém, veio basicamente da Alemanha Ocidental, região muito mais populosa e onde a crise econômica é menor.
Kohl venceu sustentado pelo crescimento da economia. No primeiro semestre deste ano, o PIB alemão cresceu 2,8% em relação ao mesmo período no ano passado (2,2% na ex-Alemanha Ocidental e 8,9% na ex-Alemanha Oriental).
Já foram privatizadas mais de 14 mil empresas alemãs-orientais, trazendo para os cofres públicos 52,3 bilhões de marcos. Mas apenas 6% da economia alemã-oriental foi comprada pelos próprios alemães-orientais.
O desemprego vem diminuindo, mas continua alto. Na Alemanha Ocidental, este índice atinge os 8,5%. Na Alemanha Oriental, ele está em torno dos 15,5%, e em regiões mais pobres chega a 24%.
Os níveis salariais permanecem distintos. Os alemães-orientais ainda recebem menos que os ocidentais de sua categoria (cerca de 66,5% do salário ocidental).
"Antes tínhamos dinheiro, mas não o que comprar. Hoje, podemos comprar tudo, mas não temos dinheiro", disse Antje Lass.

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