São Paulo, domingo, 6 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os desafios do Rio Grande

Aqui convivem padrões de vida de Primeiro Mundo e bolsões de miséria
ANTÔNIO BRITTO
Uma viagem pela realidade e pelos números do Rio Grande do Sul pode deixar qualquer analista diante de uma curiosa constatação: caminhamos, aqui, simultaneamente pelo Primeiro e pelo Terceiro Mundos.
Em algumas cidades do interior do Estado, pode-se conviver com uma economia exportadora pujante, incorporadora dos mais modernos padrões tecnológicos e de apurados critérios gerenciais. E é possível apreciar padrões de qualidade de vida, índices de emprego e renda de fazer inveja em qualquer lugar do mundo.
Este é o Rio Grande mais presente no sentimento nacional, gerando a falsa impressão de que somos apenas desenvolvidos.
É urgente que o Brasil descubra o que, com tristeza, os gaúchos hoje sofrem: envelhecimento da máquina pública estadual, sua reduzida capacidade de investimento e perda de dinamismo de várias economias regionais gerando bolsões de pobreza e de miséria presentes em boa parte do Estado.
Ao norte do Rio Grande, cidades perdem diariamente população, expulsa pela inviabilização do minifúndio por sua vez decorrente da incapacidade do setor público de apoiar o processo produtivo com silos, estradas, eletrificação rural e outros insumos.
Ao sul do Estado, nas regiões vizinhas à Argentina e ao Uruguai, a falta de infra-estrutura impediu a industrialização, especialmente a agroindústria. E a pecuária, atividade quase única, não consegue responder pela geração de emprego e de renda à altura das necessidades da população.
Todas essas carências têm um só rumo no Rio Grande: buscar as proximidades de Porto Alegre, passando pela região metropolitana, atravessando o Vale dos Sinos e chegando à Serra. Ali, num eixo de no máximo 150 quilômetros, sucedem-se o pólo metal-mecânico, vinícola e calçadista. E, em torno deles, de forma cada vez mais angustiante, a luta pelo emprego, pela oportunidade de vida.
Imensos vazios socioeconômicos exportando pessoas para reduzidos bolsões produtivos. Em ambos, condições cada vez mais precárias de vida e um sucateamento dos serviços públicos, outrora orgulho do Rio Grande.
Ao longo da campanha eleitoral, com base nesta realidade, convidei os gaúchos a um indispensável processo de escolha. Ou promovemos imediatas atualizações e reformas da estrutura pública, de modo a gerar mais investimentos e melhores serviços ou, de forma crescente, apenas sobreviverão no Estado empreendimentos e regiões absolutamente independentes do que seja público, da telefonia à energia, da educação às estradas.
Esta não é apenas a decisão sobre o governo que queremos. É a decisão, acima de tudo, sobre a sociedade rio-grandense que queremos. Ou aquelas atualizações e reformas geram a capacidade de novos ciclos de desenvolvimento, distribuídos entre as diversas geografias gaúchas, ou teremos o agravamento das condições sociais que já nos impedem de dizer que somos diferentes de outros Estados brasileiros em matéria de saúde ou de habitação, por exemplo. Postos de saúde inutilizados, hospitais sem condições de atendimento, favelização da Grande Porto Alegre são hoje parte do cotidiano do Rio Grande.
Estou profundamente convencido que os gaúchos não têm direito ao pessimismo. Aqui, por mais que tenhamos consumido nossas reservas de infra-estrutura (tão à frente da média brasileira até há alguns anos) continuamos tendo gente que gosta e sabe trabalhar, invejável capacidade empreendedora, uma cultura diferenciada e positiva, posição geográfica privilegiada, especialmente para o Mercosul.
Mas não temos mais direito ao imobilismo. As dificuldades políticas permanentes na relação com o Governo Federal e a incapacidade de gerarmos apenas com recursos próprios as condições de desenvolvimento condenaram-nos ao duplo isolamento. Diante de Brasília e, mais grave, do governo estadual diante de qualquer município, empresário ou sindicato que demande do setor público o que é sua obrigação: prover serviços essenciais de qualidade.
Acabo de percorrer todos os 427 municípios do Estado. E de dialogar com os segmentos que compõem a sociedade rio-grandense. Sinto, com alegria, que é grande a determinação de olhar para a frente, participar com firmeza do processo de desenvolvimento que se abre ao Brasil. E, ao melhor estilo gaúcho, não abrir mão de contribuir decisivamente para o Brasil fazendo deste extremo sul um pedaço que se orgulha de ser tão brasileiro quanto diferenciado: tão próprio em cultura e valores quanto integrado ao Brasil que, finalmente, parece, vamos todos começar a construir.

ANTÔNIO BRITTO, 42, é candidato ao governo do Estado do Rio Grande do Sul pelo Movimento Rio Grande Unido e Forte (PMDB, PSDB, PL) e deputado federal pelo PMDB-RS. Foi ministro da Previdência Social (governo Itamar).

Texto Anterior: Os gaúchos na oposição
Próximo Texto: Natal sem fome; FHC desafiado; Cinto que salva e esgana; Preconceito na TV; Eclipse; Edmundo; Limpeza temporária; Quem sustenta a princesa?; Viver de Aids; Abrangência histórica; Forrest Franco
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.