São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
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Receita de crise

JANIO DE FREITAS

Já é o caso de falar em crise na Receita Federal. Numerosas chefias, nas delegacias de São Paulo e do Rio, decidiram demitir-se. O mal-estar atinge todo o pessoal que sustentou o trabalho de Osiris Lopes Filho para mudar o espírito da Receita, como se estivesse em movimento uma limpeza às avessas.
As demissões em São Paulo aguardam apenas a exoneração formal da delegada Rosa Defensor, cuja portaria é esperada para hoje. Tão inflexível quanto serena no desempenho de suas funções, Rosa Defensor mostrou-se assim mesmo diante da proposta de negociação que lhe foi feita, propondo-lhe o lugar que quisesse em troca do pedido de exoneração por motivos pessoais, para evitar o escândalo do seu afastamento injustificável. Preferiu ser exonerada e aguardar nova designação ou novos acontecimentos.
Primeiro dia de atividade na delegacia do Rio depois de tornadas públicas as pretensas fitas com diálogos comprometedores de dois dos seus funcionários, ontem o dia ali foi dominado pela indignação. Também integrantes da equipe com que Osiris Lopes Filho remodelava a Receita, Luiz Henrique Barros Arruda e Youmans Duque Estrada são vistos, dado o conceito de integridade que têm no restante da equipe, como vítimas de um jogo baixo para retirá-los das funções, respectivamente, de titular da Delegacia de Julgamentos e de delegado da Receita no Rio.
As ressalvas do secretário da Receita, Sálvio Medeiros, no sentido de que gravação não é prova e de que a fita em questão apresenta indícios de montagem, bastariam para impedir que os dois funcionários do Rio e ainda Ricardo Pinheiro, coordenador de fiscalização da Receita, fossem dados publicamente como possíveis integrantes de uma quadrilha. Aconteceu o oposto, sem qualquer investigação e com base só em uma pretensa carta anônima acompanhada de uma estranha fita. Casos mais graves têm transcorrido em sigilo, no entanto.
Eis um breve exemplo de quanto era necessária a investigação antes da acusação pública. A fita contém um diálogo entre a mulher de Duque Estrada, Angélica, e um homem que promete lhe mandar um cheque de US$ 600. A divulgação da Receita identifica o pagador como o empresário Carlos Alberto Machado. Na delegacia do Rio, ontem, este empresário era identificado como irmão de Angélica. Seria suborno entre cunhados? Um jeitinho em favor do parente seria admissível, mas o suborno é mais difícil de crer. E se era um ajuste de contas familiar, a hipótese de má-fé terá justificado a ofensa pública à reputação do funcionário?
Por que não foi verificada uma coisa tão simples, antes da acusação pública, é uma explicação devida pela cúpula da Receita. Tanto mais que a existência da fita já era comentada por lá uns dez dias antes da sua divulgação.
Se os três funcionários são suspeitos, estas não são as únicas suspeitas que o episódio exala. Talvez nem sejam as piores. Sálvio Medeiros assumiu a secretaria da Receita, indicado pelo próprio Osiris Lopes Filho, com a reputação de muito moderado, mas sério. Já muita gente se pergunta o motivo da substituição de Rosa Defensor no centro de riqueza e sonegação que é São Paulo. Por ora, a pergunta está sem resposta. Mais indagações sem resposta convincente seriam desastrosas.

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