São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
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A batalha do cérebro

A batalha sobre o "sexo do cérebro" causa polêmica há mais de cem anos e ainda parece longe do fim. No fim do século 19, o neurologista Paul Broca afirmava que, por ter o cérebro mais pesado, o homem era mais inteligente que a mulher. Um século depois já se admite que, por ser mais corpulento, naturalmente o homem tem o cérebro mais pesado.
O debate hoje deslocou-se e concentra-se em três pontos:
1 - A especialização dos dois hemisférios cerebrais (centros da linguagem, das emoções, da motricidade etc.) é maior nos homens do que nas mulheres?
2 - Que consequências teria a diferença no volume do corpo caloso (feixe de fibras que transmite informações de um hemisfério a outro) na mulher e no homem?
3 - Os hormônios têm algum papel? A testosterona (hormônio masculino) fabrica um cérebro especificamente masculino?
A comunidade científica está dividida. Uns defendem a tese da diferença anatômica. Outros garantem que a única explicação válida é de ordem cultural. Finalmente, a pesquisa científica parece se orientar para uma terceira direção, a dos feixes de neurônios (células do cérebro), que detêm a chave dos comportamentos individuais. São majoritariamente cientistas mulheres, principalmente norte-americanas, que mais se interessam pelos estudos sobre a diferenciação sexual do cérebro.
TESTES FEMINISTAS
A norte-americana Sandra Wittelson e a canadense Jeanette McGlone realizaram testes com crianças que tendem a mostrar que as meninas são melhores que os meninos em tudo o que diz respeito à linguagem ou ao cálculo aritmético. Mas são mais fracas no que se refere ao raciocínio geométrico ou à orientação no espaço. Segundo as pesquisadoras, essas diferenças devem-se aos papéis dos dois hemisférios cerebrais nos homens e nas mulheres. Elas também insistem no tamanho do corpo caloso e na influência dos hormônios sobre a organização do cérebro desde o terceiro mês de gravidez. Segundo a psicóloga canadense Doreen Kimura, não é de se espantar que as mulheres sejam tão poucas em profissões de engenharia ou física, em que intervên a orientação espacial e certos tipos de raciocínio matemático.
INATO OU ADQUIRIDO
Pesquisadores euorpeus, como o francês Gérard Percheron, não acreditam na validade dessas experiências. Percheron afirma que basta aumentar o número de pessoas testadas para se obter resultados diferentes. Ele também acusa as pesquisadoras de não terem levado em conta a influência do meio sobre o comportamento das crianças e portanto sobre seu sistema nervoso. Encontra-se aí o eterno debate entre o inato e o adquirido: "Todos os estudos sociológicos mostram que desde a infância, desde o aleitamento, a menina não é tratada da mesma maneira que o menino na família ou na sociedade", diz Percheron. Um recém-nascido, se for menina, é "lindinha" e é "espertinho", se for menino.
100 BILHÕES DE NEURÔNIOS
O verdadeiro debate está provavelmente em outra questão. Muitos pesquisadores admitem que as diferenças anatômicas, mesmo que existam, são mínimas e não têm influência sobre as funções intelectuais. Quanto aos fatores culturais, se é evidente que devem ser levados em conta, também não são suficientes para explicar tudo. É a observação da atividade dos neurônios, terreno quase inexplorado pela ciência, que deveria permitir a descoberta da origem das diferenças de comportamento e atitude entre homens e mulheres. "O circuito é o mesmo no homem e na mulher, mas os hormônios podem modificar a transmissão química da informação", conclui o pesquisador J. Demotte-Mainard. A exploração dessa terceira via ainda está no começo. Falta compreender o funcionamento de umas 100 bilhões de células do cérebro...
O CORPO CALOSO
É um feixe de fibras que transmite as informações de um hemisfério a outro. A questão é saber se ele é mais volumoso nas mulheres do que nos homens e se essa diferença teria alguma consequência.
SIM - Certas partes do corpo caloso são mais desenvolvidas nas mulheres, já que as informações passam com mais frequência de um hemisfério a outro. O que reforça a tese de que, entre as mulheres, as faculdades cognitivas são menos localizadas.
NÃO - Mesmo que tenha sido demonstrada a diferença de tamanho do corpo caloso, a interpretação dada pelas pesquisadoras americanas e canadenses foi contestada por outros cientistas.
A TESTOSTERONA
Os hormônios masculinos têm um grande papel na diferenciação "sexual" do cérebro. A testosterona, principal hormônio masculino, exerce influência sobre o conjunto do sistema nervoso antes e depois do parto. Mais tarde, a testosterona teria alguma importância?
SIM - Estudos demonstram que existe uma ligação entre o sucesso nos testes de linguagem e a baixa taxa de hormônios masculinos nos meninos. Da mesma forma, o sucesso nos testes de orientação espacial estaria ligado a uma alta taxa de testosterona nas meninas.
NÃO - Existe uma relação inegável entre as taxas de certos hormônios masculinos, principalmente a testosterona, e a diferenciação sexual do cérebro durante o período do nascimento. Entretanto, não se tem certeza nenhuma de que essa relação chegue às funções cognitivas. Além disso, por ser o cérebro um sistema que regula as taxas de grande número de hormônios, não se sabe ainda se são os hormônios que exercem influência sobre o cérebro ou vice-versa.
OS DOIS HEMISFÉRIOS
Cada um dos dois hemisférios cerebrais é especializado em determinadas funções cognitivas: o esquerdo é dominante para a linguagem, e o direito, para a percepção do espaço e das formas. A questão é saber se essas especificidades são menos marcadas nas mulheres.
SIM - Certos pesquisadores afirmam que parte do hemisfério esquerdo, solicitada para o que se refere à linguagem, é mais desenvolvida nos homens. Eles concluem que nos homens os centros de linguagem situam-se no hemisfério esquerdo, enquanto que nas mulheres estariam menos localizados. Em casos de lesão do hemisfério esquerdo, os homens têm mais risco de perder total ou parcialmente a capacidade de falar.
NÃO - A assimetria dos dois hemisférios é mais nítida no homem do que na mulher. Daí a concluir que as funções cognitivas são menos desenvolvidas nas mulheres há um grande passo que muitos pesquisadores preferem não dar.

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