São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
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O masoquismo da beleza inalcançável

CATHERINE SEGAL
DO "WORLD MEDIA"

O masoquismo da beleza inacessível
O fotógrafo italiano Oliviero Toscani, criador das campanhas publicitárias da Benetton, é um homem de escândalos. Da clássica propaganda da United Colors, que marcou o início da "world culture", à controvertida imagem do "HIV positivo", Toscani sucessivamente chocou, surpreendeu e escandalisou. Filho de um repórter-fotográfico de Milão, ele começou sua carreira trabalhando para revistas de moda, como "Elle" e "Vogue".
Primeiro a fotografar aquela que se tornou a mais top das top models, Claudia Schiffer, este italiano se queixa hoje da ditadura das modelos. Toscani não hesita em chamar de fascista a era de Claudia Schiffer e de masoquistas as mulheres que se deixam impor uma imagem de beleza cada dia mais inacessível.

WM - Você se diz escandalizado por algumas campanhas publicitárias para mulheres. Quais?
Oliviero Toscani - Quase todas. De Chanel a L'Oréal, eu acho que são indecentes e imorais. O que mais me incomoda são os aspectos colaboracionistas que percebo. As pessoas adoram a raça ariana e Claudia Schiffer é a viúva de Hitler. Me parece que os italianos se deixam impressionar menos por ela que os franceses. Para eles, é um fenômeno mais pitoresco, menos social. Fiz as primeiras fotos de Inés de la Fressange, era uma coisa muito diferente. Ela passava uma imagem mais inteligente, mais intrigante, menos "alien" e menos 3º Reich.
WM - Mas você também fez as primeiras fotos de Claudia Schiffer. Você se arrepende que ela tenha ganhado tanta importância?
Toscani - O problema não são as top models. São mulheres como as outras, que comem, cheiram, falam e matracam como as outras. E estão longe de ser idiotas. São cultivadas, viajam bastante e acabam sendo mais interessantes que muitas moças de boa família.
Preocupante é o valor que o público dá a essas garotas, o complexo a que as mulheres se habituaram, sem preceber. É esse espírito de autodestruição tipicamente feminino: as mulheres olham as top models, sabem que nunca serão tão bonitas, ficam anoréxicas, cada dia mais feias, se entregando enfim à desculpa de não serem bonitas. Há um certo masoquismo nesse comportamento.
WM - O recurso das top models lhe parece uma saída fácil para as agências que sofrem de falta de imaginação?
Toscani - Realmente. É a falta de imaginação que criou o monstro das top models. Fiz as primeiras fotos de Claudia para a "Elle". Era na época uma menina bonita e natural. Qaundo ela entrou, pensei logo que se tornaria uma das grandes. Mas hoje, as agências compram Miss Schiffer, contentam-se com o gênio da natureza que a fez bela e limitam-se a pôr nela uma ou outra etiqueta. O gênio humano não comparece.
WM - A imagem que dão as top models mais velhas, como Isabella Rossellini ou Lauren Hutton, parece menos agressiva?
Toscani - Não, de jeito nenhum. O que fazem nesse caso é qualquer nota. Por que deixar as mulheres com complexo exibindo a filha de Ingrid Bergman e Roberto Rossellini? As consumidoras sabem muito bem que mesmo que comprem todos aqueles cremes nunca ficarão tão bonitas. Fico sempre intrigado com a fascinação que as modelos exercem sobre as mulheres.
WM - A imagem da beleza seria uma prisão para as mulheres?
Toscani - Elas mesmas se encarceram. Hoje tem de tudo na moda e a liberdade poderia ser grande. Finalmente temos a possibilidade de escolher nossa tribo. Mas ainda há mulheres que se vestem de Chanel dos pés à cabeça. Elas parecem cachorrinhas de luxo e são ridículas. Eu, se tivesse sido estilista, gostaria de desenhar jeans e camisetas brancas.
WM - Você renunciou totalmente a usar as top models?
Toscani - Sim, principalmente porque estou persuadido que esta é uma moda que não vai durar. Estamos no fim de um ciclo. As tops envelhecem e as jogamos fora sem substituir. Como com as estrelas de cinema há trinta anos: não existem mais Elisabeth Taylor ou Brigitte Bardot. Já existem garotas mais bonitas que Claudia Schiffer, mas não damos nem um olhar para elas porque decidiu-se que a estrela seria a outra. Não é mais necessário passar a imagem da beleza feminina absoluta. Com minhas últimas campanhas (um soropositivo em fase terminal, o uniforme ensanguentado de um jovem vítima da guerra na Bósnia), faço as vezes de pioneiro. A moda é um fenômeno que deveria estar livre de todos os símbolos ditatoriais. Eu adoro as mulheres e é por isso que detesto as top models.

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