São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
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SEXO!

Erotismo indiano está longe do "Kama Sutra"

DO "WORLD MEDIA"

A Índia é o país do "Kama Sutra" ou da dominação machista? Nesta entrevista, o psicanalista indiano Sudhir Kakar explica por que as mulheres de seu país mais sofrem do que têm prazer. Kakar é conhecido por seus livros "Relações Inúteis: Explorar a Sexualidade Indiana" (1989) e "Contos do Amor, do Sexo e do Perigo" (1986). Três meses por ano, Kakar dá aulas na Universidade de Chicago.

WM - A Índia é associada ao erotismo pelos ocidentais por causa do "Kama Sutra". Existe realmente um particularismo indiano em matéria de sexo?
Sudhir Kakar - O erotismo indiano não tem mais nada a ver com o "Kama Sutra". Desde o começo da era budista, a sexualidade foi estigmatizada. Vivemos a dominação dos padres, a era medieval e a censura da moral vitoriana, introduzida pelos ingleses no período colonial e seguida por nossas classes altas. Tudo isso deixou nossa sexualidade muito conservadora.
WM - O orgasmo feminino é importante na Índia?
Kakar - Os indianos dão muito pouca importância ao prazer da mulher. Muitas indianas aprenderam a esconder seu prazer, de medo de serem acusadas de se comportar como prostitutas. O orgasmo se torna importante para as que o conheceram, mas um amor sem orgasmo não é uma catástofre, desde que a mulher se sinta amada e desejada. O orgasmo não é um fetiche para a indiana.
WM - Como a masturbação feminina é encarada?
Kakar - A masturbação é muito menos comum entre as mulheres indianas que entre as ocidentais. É um fenômeno acompanhado do sentimento de vergonha. Acho que isso se explica pelo fato de o sexo continuar para as indianas um continente praticamente inexplorado: uma mulher se tocar é algo muito mal visto.
WM - No Ocidente as mulheres dão ênfase à estimulação clitoridiana. E na Índia?
Kakar - Por causa dessa ignorância sobre os órgãos sexuais e da condenação à masturbação, as mulheres não pensam nisso.
WM - As mulheres afirmam que preferem ficar por cima, numa posição em que podem controlar o ato sexual. As indianas também preferem?
Kakar - Não. A importância da submissão e da passividade feminina se estende à intimidade do casal. E no que concerne as relações sexuais, ainda é a posição "papai e mamãe" que prevalece.
WM - Como as indianas vêem o lesbianismo?
Kakar - A resposta é muito simples: as lésbicas não existem para a maioria das pessoas. Conhecemos a homossexualidade masculina, mas a maioria das pessoas teria dificuldade em aceitar seu equivalente feminino. E os raros casais de mulheres que vivem juntas não passam de "boas amigas". É graças a essa invisibilidade que elas escapam da desaprovação social.
WM - Como a virgindade é vista?
Kakar - A virgindade é um valor extremamente importante. É verdade que os encontros que uma jovem pode ter hoje em seu ambiente de trabalho ou de estudo a fazem cada vez mais ter relações sexuais fora do casamento. Mas se uma mulher dorme com um homem sem casar com ele depois, ela quase sempre terá um sentimento de vergonha.
WM - Que mudanças aconteceram no comportamento sexual da mulher indiana nos últimos 20 anos?
Kakar - É esta nova mobilidade das jovens no trabalho ou nos estudos que provocou a verdadeira revolução no comportamento sexual. Antes, elas se casavam essencialmente dentro da família, no sentido mais estrito: primos, tios, cunhados. Hoje, elas saem mais facilmente desse mundo fechado.
WM - Qual a idade média das primeiras relações sexuais? Há períodos em que as mulheres não têm direito de fazer amor?
Kakar - Paradoxalmente, a idade em que as jovens começam a ter relações sexuais aumenta com a modernização do país. Isso se explica porque elas estão se casando mais tarde.
Hoje as pessoas fazem amor mais. Antes, sobretudo na época medieval, era proibido para os homens se aproximarem de suas mulheres fora dos 16 dias de fertilidade do mês. Também não se devia fazer amor nas noites de lua nova, nem nas de lua cheia. Era proibido fazer amor nos dias que se festeja os deuses ou os ancestrais, e o amor durante o dia era completamente proscrito. Essas regras nunca foram estritamente seguidas, mas representaram um obstáculo ao amor no casamento.
WM - Que tabus sexuais existem em sua cultura?
Kakar - Os dois tabus sexuais mais difundidos são fazer amor com uma mulher menstruada e a felação, que embora não seja proibida provoca uma certa repulsão sobretudo nas mulheres.
WM - Quais são as qualidades que os indianos apreciam nas mulheres?
Kakar - O ideal para o homem indiano é a "prativata", uma mulher que subordina sua vida e sua pessoa ao bem-estar de seu marido. A fidelidade e a castidade são traços fundamentais. Eles preferem a doçura e a passividade em suas mulheres, mas têm fantasmas com mulheres mais ativas e apaixonadas, coisa que procuram em uma amante ou uma prostituta.
WM - Como é a sexualidade das mulheres mais velhas?
Kakar - Ela praticamente não existe. Na Índia, as pessoas devem renunciar à sua sexualidade no momento em que seus filhos se tornam sexualmente ativos.
WM - A Aids mudou alguma coisa no comportamento sexual das mulheres?
Kakar - Pelo menos por enquanto, a Aids não mudou em nada, porque as mulheres são bem menos conscientes do perigo do que os homens. Também a passividade que se pede às mulheres durante o ato sexual as obriga a deixar ao parceiro a decisão se vai ou não pôr um preservativo.
WM - Como são utilizados os contraceptivos?
Kakar - As jovens solteiras dificilmente têm acesso a eles. Mas as mulheres casadas e que já têm filhos são cada vez mais bem informadas sobre os métodos contraceptivos.

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