São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gebara, a freira pró-aborto

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

"Defendo a legalização do aborto não como um meio em si mesmo, mas como um meio precário em um país onde tudo é precário", diz Ivone Gebara. A declaração não surpreenderia se Gebara fosse uma militante feminista qualquer. Mas ela é uma freira da Congregação Irmãs de Nossa Senhora, dedicada à educação de crianças carentes.
Ao tornar pública pela primeira vez essa sua posição, em outubro do ano passado, Gebara rompeu uma barreira inédita, causou enorme confusão e chegou a ser ameaçada de expulsão da Igreja. Ainda não está livre de algum tipo de punição. O bispo de Olinda e Recife, a quem é hierarquicamente subordinada, exigiu uma retratação pública da freira. Mas ela se manteve –e tem se mantido– firme.
"Embora reconheça que o assunto é delicado, me nego a fazer qualquer retratação. A Igreja sempre defendeu a liberdade de pensamento, mesmo durante a Inquisição. Aposto nesse argumento e me sinto apoiada por parte da comunidade cristã, brasileira e internacional", diz.
A freira explica que resolveu se posicionar publicamente a favor da legalização do aborto pelo fato de viver 20 anos, em Recife, num bairro habitado por pessoas carentes. "Lá, vi muitas mulheres sofrendo por enfrentar abortos clandestinos. Também vi muitas adolescentes grávidas morrerem por causa desses abortos."
Gebara condena a hipocrisia em relação ao assunto no Brasil. "Na realidade histórica brasileira, o aborto é um fato. E ele só é realizado em condições precárias por mulheres pobres, que já são abortadas pela sociedade."
Irmã Ivone é doutora em filosofia e teologia pela PUC de São Paulo, cidade onde nasceu há 49 anos. No primeiro semestre deste ano, lecionou Teologia Feminista na América Latina no Union Teological Seminary, uma universidade ecumênica em Nova York. Leva para os EUA uma experiência que os norte-americanos têm alguma dificuldade de compreender. "O feminismo aqui nos EUA é muito marcado pelo individualismo. No Brasil, o feminismo não se isola das lutas sociais e políticas. Os americanos estão interessados em saber como são desenvolvidos nossos trabalhos comunitários", diz.

Texto Anterior: Pesic, a guardiã da honra sérvia
Próximo Texto: Mofokeng, a miss coragem
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.