São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Letargia ou sabedoria?

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Passei as três últimas semanas grudado ao presidente eleito Fernando Henrique Cardoso. Nas duas primeiras, na Europa, as informações sobre o Brasil chegavam picadas e irregulares.
Assim mesmo já chamava a atenção a tranquilidade com que FHC encarava os problemas que iam se acumulando no horizonte do Plano Real, o que chegou a ser comentado neste espaço.
Na semana mais recente, o ângulo de observação era diferente. Em Buenos Aires, os principais jornais brasileiros do dia já estão disponíveis nas bancas centrais no meio da tarde. Na TV do hotel dava para ver os telejornais de três canais (Bandeirantes, Globo e Manchete).
O noticiário estava impregnado de crescente angústia em torno do plano. A única coisa imutável era a indiferença de FHC em relação a tais problemas.
Na entrevista coletiva que concedeu quinta-feira em Buenos Aires, foi-lhe perguntado, por exemplo, sobre o aumento de 8,5% na cesta básica durante outubro. A resposta foi de um tangenciamento absurdo. Limitou-se a dizer que, até o final deste ano, o presidente é Itamar Franco.
Nem como obviedade é plenamente correto. Se Itamar será, de fato, o presidente até 31 de dezembro, a equipe econômica é, basicamente, a que FHC deixou e, mais ainda, já disse inúmeras vezes que vai manter.
Não se trata, pois, de um presidente que vem para mudar tudo e, por isso, necessita estar com os dedos nos botões de comando para tomar e/ou sugerir providências.
Visto ainda de meia distância, o panorama brasileiro parece encaminhar-se para um cruzamento de duas dificuldades. Uma, já prevista, é a urgência de reformas estruturais que dêem ao real uma sobrevida de fato mais longa. A outra é a hipótese de que o novo presidente tome posse com uma inflação crescente e que, por isso mesmo, peça providências conjunturais encavaladas com mexidas estruturais.
Por isso, ou FHC sabe de coisas que os mortais comuns ignoramos ou corre o risco de despertar de sua aparente letargia no pior dos mundos.

Texto Anterior: Pacto da mediocridade
Próximo Texto: O suicídio dos ricos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.