São Paulo, terça-feira, 8 de novembro de 1994
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Racismo na TV

Vem causando uma série de protestos de movimentos negros a cena de racismo explícito exibida na semana passada pela novela "Pátria Minha", da Rede Globo.
Os grupos anti-racistas têm não só o direito como o dever de insurgir-se contra tudo aquilo que considerem preconceituoso. Ainda assim, parece ter havido por parte dos movimentos negros, senão um açodamento, uma tentativa –aí sim válida e legítima– de dar maior visibilidade para o episódio.
Muitas das obras ficcionais –sobretudo as novelas de TV– consistem numa série de processos em que certos fatos vão desencadeando tensões que ao longo da trama acabam sendo resolvidas.
Novelas sem vilões não são novelas e vilões que não praticam atos condenáveis não são vilões. É preciso esperar o desfecho, mas parece impossível que, nestes tempos do politicamente correto, os autores da obra optem por fazer triunfar uma apologia do racismo.
Ainda que o fizessem, seria preciso agir com muita cautela. Se a intolerância racial, religiosa ou étnica é uma ameaça à democracia, o cerceamento à liberdade de criação e pensamento também o é. No Estado de Direito não se pode impedir as pessoas de escrever bobagens, não importa o seu tamanho.
De resto, o racismo no Brasil é –e os movimentos negros por certo não o ignoram– uma dura realidade. Muito maior do que já se tentou propagar através de grandes mistificações como a da democracia racial brasileira.
A novela tem o mérito de levar a milhões de telespectadores de todas as etnias e origens a oportunidade, ainda que fugidia, de refletir sobre um problema extremamente sério. Toca numa ferida que, se no Brasil não provocou grandes hemorragias (como o fizeram o nazismo ou o apartheid), tampouco cicatriza, tornando, aos poucos, o corpo social exangue. Um dos mais perversos racismos é aquele que não mostra sua face e não pode, assim, ser combatido, perpetuando-se por gerações e gerações.

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