São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Acaba transição 'lenta, gradual e segura'

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Exatos 20 anos depois de o então presidente Ernesto Geisel prometer uma transição para a democracia "lenta, gradual e segura", ela acaba de ocorrer nas urnas de 3 de outubro e 15 de novembro.
Começa pelo fato de que as duas principais figuras da República, a partir de 1º de janeiro, serão homens punidos pelo ciclo militar (Fernando Henrique Cardoso e Mario Covas).
E termina no fato de que duas figuras de alguma forma simbólicas de etapas da longa transição acabam de chegar aos governos de seus Estados.
A saber: Antônio Britto (PMDB-RS), porta-voz de Tancredo Neves, o primeiro civil eleito presidente, após 21 anos de regime militar, e Dante de Oliveira (PDT-MT), que deu nome à emenda, frustrada, das diretas já.
O retrato do poder no Brasil-95 será, muito, o retrato do antigo MDB, a grande frente das oposições ao ciclo militar. Ainda mais que as figuras e/ou partidos identificados com o antigo regime ficaram confinadas ao Norte/Nordeste.
Se é fácil apontar o fim de um ciclo, é muito mais difícil determinar-se o rosto que terá a nova etapa, até porque a transição foi tão demorada que diluiu quase todas as antigas identidades pessoais e partidárias.
Ou, como disse à Folha o governador eleito Mario Covas: "O velho MDB morreu porque as circunstâncias que permitiam enxergar apenas branco-e-preto desapareceram".
O PMDB, herdeiro mor do velho MDB, é o mais nítido caso em que há muito mais zonas cinzentas do que branco-e-preto. Seu principal cacique, Orestes Quércia, foi tragado pelas urnas de 3 de outubro. Não deixa herdeiros.
Deixa a perspectiva de uma cruenta batalha pelo ainda enorme espólio peemedebista, composto por 103 deputados federais (mais os que forem eleitos no Rio), 22 senadores e nove governadores.
É o maior lote quantitativo, mas não serve para muito enquanto não se definir quem o comandará.
Os candidatos naturais são os ganhadores de 94, Britto e José Sarney. Mas Britto não passa pelo crivo do quercismo, ainda disposto a lutar pela estrutura do PMDB.
Sarney continua sendo um estranho no ninho, com mais raízes no PFL do que no próprio PMDB.
Até a consolidação de uma nova liderança, o espólio peemedebista será disputado pelo maior ganhador de 94, o PSDB.
Confinado ao Ceará desde que nasceu em 88, o PSDB agora governará o próprio Ceará e mais cinco Estados, entre eles os três maiores colégios eleitorais (SP, MG e RJ), além, é claro, da Presidência da República.
Mas que PSDB é esse? O dos empresários como Albano Franco, eleito governador de SE? O de Marcello Alencar, nascido e crescido no brizolismo? Ou o histórico, de FHC e Covas?
Mesmo que seja o histórico, o que resta da história, depois de aliar-se ao PFL? Ou, visto de outra forma: o PSDB está, hoje, mais próximo do PFL ou do PT, partido com o qual ensaiou uma coligação no início do ano eleitoral?
Dessa resposta, ainda desconhecida, depende um pouco o futuro do outro partido que cresceu razoavelmente em 1994, o PT. Terá, pela primeira vez, governadores (dois), pulou de 1 para 5 senadores, aumentou a bancada federal de 36 para 49 representantes.
Para quê? Para ser social-democrata, como deseja a sua ala tida como de direita, comandada pelo deputado federal reeleito José Genoíno? Para ser socialista, como sempre pregou seu líder máximo, Luiz Inácio Lula da Silva? Ou para ser revolucionário, como ainda querem algumas correntes?
Se frases soltas valem alguma coisa em política, o razoável é supor que o PSDB se inclinará para a esquerda. Afinal, FHC, enquanto fazia compras em Moscou, no mês passado, disse que o PFL saía "muito enfraquecido" da eleição.
É uma meia verdade: o PFL ficou com apenas 2 Estados dos 9 que hoje governa, mas elegeu a segunda maior bancada de deputados (85, sem contar o Rio) e de senadores (17).
Se FHC for consequente com a avaliação de Moscou, inclinará seu governo para a esquerda e poderá fazê-lo funcionar como força centrífuga e atrair o PT moderado.
No vácuo, irá também, fatalmente, o que resta do PDT, um dos grandes derrotados. Perdeu, em primeiro lugar, seu líder, Leonel Brizola, viu reduzir-se sua bancada de deputados (de 35 para 25, sem incluir o Rio) e ganhou um senador (são seis agora).
Se essa hipótese se confirmar na prática, será a vez de os adversários de 64 governarem plenamente, e a transição ficará completa.
Se, ao contrário, o PSDB mantiver forte o vínculo com o PFL, a transição acabará incompleta, mas, de todo modo, acabará.

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