São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Obras esbarram em paradoxos

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os 23 artistas brasileiros na Bienal estão tentando enxergar. E por vezes pelos caminhos mais tortuosos, por paradoxos e contradições.
Nuno Ramos, 34, entrevistou cegos antes de realizar sua instalação, que procura um ponto de intersecção entre os efeitos cósmicos e a cegueira, um excesso de luz que ofusca.
As telas de Paulo Pasta, 35, também lidam com um paradoxo visual, como se a imagem –abstrata– surgisse de uma sucessão de camadas que a encobrem.
"Acho que o meu trabalho, assim como o do Nuno, fala da catarata, do velamento, fala do excesso de luz, desse momento onde quanto maior é a presença menos você vê", diz o pintor.
A instalação de Rosângela Rennó, 31, é, segundo a artista, "uma homenagem ao esquecimento". O trabalho é composto por 13 fotografias praticamente pretas, onde resta apenas um vestígio de imagem, e 17 textos brancos, esculpidos na parede, que só podem ser lidos por sua sombra.
"É como um álbum de família, com as fotos salpicadas pela parede em diferentes formatos. São imagens feitas por anônimos, sucatas, fotos de família, de viagem. Mas essas imagens são reelaboradas, com cópias novas muito escuras, de forma que quase não se vê o que são", diz Rennó.
Adriane Guimarães, 36, também parece interessada na busca de um ponto cego como caminho para uma visão mais nítida.
Sua instalação, com fotografias e objetos em vidro, levanta problemas de "orientação e desorientação no espaço". Em todas as fotos, que envolvem a sala, a artista aparece olhando por um binóculo.
"Há um efeito de espelhamento entre as fotos e o espectador, provocado por uma parede de vidro no centro da sala. A imagem com o binóculo tem uma conotação um pouco romântica, de olhar para o horizonte e buscar uma nova possibilidade", diz a artista.
Nos cinco trabalhos apresentados por Dudi Maia Rosa, 47, o paradoxo aparece através de uma transparência que é ao mesmo tempo opacidade, de uma superfície que é ao mesmo tempo entranhas. "São trabalhos em resina, onde há frente e verso. São como caixas. Trabalhei no interior do quadro, por trás", diz o artista.
No caso de Tunga, 42, o paradoxo é sonoro. "A obra é formada por cinco esculturas fundidas em ferro que, por sua vez, são compostas cada uma por cinco esculturas. São cálices, urnas, sinos envolvidos por uma gosma e amalgamados como um continuum. Essas peças se referem à experiência da queda dos dentes de leite. Essa experiência pela qual todos passamos é retomada através de um som mudo", diz o artista.
Fernanda Gomes, 33, não se incomoda, por exemplo, que o espectador fique procurando sua obra pelo chão ou nos cantos da sala, como um cego, sem conseguir distinguir mais o que é a obra do que não é.
Seu trabalho –que ela insiste em não chamar de instalação– é composto de coisinhas, resíduos e restos (pontas de cigarros fumados pela artista, sedas de cigarro queimadas, uma espinha de peixe que a artista comeu, fios de cabelo, um arranhão na parede).
"O que me interessa é resgatar esse trabalho que se perde nas exposições. Trabalhar direto no espaço, riscando as paredes", diz.
Em grande parte das obras da representação brasileira, o que se vê é uma tentativa –por vezes mais bem sucedida, por vezes menos– de encontrar caminhos e saídas para a produção de um sentido artístico em meio ao esgotamento e à saturação da arte contemporânea.
O paradoxo, no caso, é que muitos críticos vêem nessa procura por novos caminhos uma das principais razões da saturação.

Texto Anterior: AVANÇO RÁPIDO
Próximo Texto: Tese da curadoria não seduz artistas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.