São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Contemporâneos mesclam estilos e teorias dos anos 60

DA REPORTAGEM LOCAL

Com 70 países representados, num total de 181 artistas –em esmagadora maioria da geração nascida entre 1955 e 1965–, a Bienal traz uma multidão de informações e tendências, mas algumas paternidades são obviamente comuns.
A arte dos anos 90 tem forte carga teórica porque três estilos –todos dos anos 60– são os que mais a inspiram: a arte conceitual, a arte povera e a arte pop.
A arte conceitual surgiu como consequência da arte minimalista, que recusava a expressividade e a intuição na estética. Para os artistas conceituais, os meios e objetos artísticos tradicionais são desnecessários; o que importa é a idéia transmitida.
Assim como a arte conceitual, a arte povera (pobre, em italiano) valoriza o uso de materiais: eles são mais importantes que a linguagem e a técnica (desenhar, pintar, esculpir). No caso da povera, esses materiais têm de ser baratos, de fácil acesso, como areia, pedra, madeira e papel.
A arte pop também é uma influência sobre a arte dos anos 90 porque, nela, os próprios meios de que se quer falar são utilizados. A arte pop se apropria das linguagens existentes; no caso, as da comunicação de massa (quadrinhos, fotografia, jornal).
A instalação como a entendem os artistas atuais é fruto desses programas. É a qualidade do material que fornece a expressão do conceito. Por exemplo: em vez de esculpir (com gesso ou mármore, digamos) uma caveira, pega-se uma caveira real.
O material é o sentido. O que cabe ao artista é interferir nos materiais, ou contrapor materiais diversos. É o que faz na Bienal, por exemplo, o eslovaco Matej Kren, com uma coluna de livros dentro da qual, por uma abertura em forma de vagina, o público vê um jogo de espelhos.
Em suma, a arte pós-anos 60 não quer ser referente; não usa seus meios para falar do mundo, mas se apropria do que existe nele. Essa contestação da linguagem humana é o tema central da filosofia contemporânea: a linguagem tradicional sempre será interpretação da realidade e, portanto, sempre limitada, sempre relativista.
Uma leitura do catálogo da Bienal ratifica essas bases teóricas. São mais mencionados os seguintes pensadores: Heidegger, Wittgenstein, Walter Benjamin, Jacques Derrida, Gaston Bachelard e Michel Foucault.
O trabalho da inglesa Cornelia Parker é exemplo da fusão de estilos. Na Bienal, ela apresenta "Matéria Escura Fria", em que fragmentos de um galpão de madeira, e dos objetos domésticos que se encontravam nele, estão suspensos ao redor de uma lâmpada.
Trata-se de um paralelo entre o universo físico, que para alguns astrônomos é mantido em equilíbrio graças a tal "matéria escura fria", e o universo doméstico, em que, da mesma forma, se está no limiar do caos.
Uma diferença entre a instalação dos anos 60 e a atual, acrescente-se, é que nesta os materiais orgânicos são cada vez mais frequentes –de sangue a osso, de mandioca a leite.
Na Bienal, tem-se por exemplo o trabalho do japonês Toshikatsu Endo, que usa madeira, água e livros queimados para discutir as relações entre natureza e cultura, vida e morte.
A vontade, nos anos 90, é se apropriar da natureza. A arte não é mais cópia dela; pretende, sim, substituí-la. O artista, em consequência, é como um "deus ex machina": personifica a entidade divina. Acredita manipular a natureza como deseja –como um deus.

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