São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Flavio de Souza sucumbe ao marasmo

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

O marasmo presente no palco brasileiro é responsabilidade, em grande parte, dos dramaturgos, dos autores. Mais até, dos autores jovens, como Flavio de Souza.
Vem deles a sensacão de que o teatro está alheio ao presente. O movimento que aproxima ou reaproxima o palco das palavras –um movimento que não é só nacional, pelo contrário– segue bem representado no Brasil por dramaturgos de outros tempos, que voltam a escrever com algum fluxo e impacto.
São os casos de Plínio Marcos, com "A Dança Final", lançada em livro, e Leilah Assunção, com "Adorável Desgraçada". Porém, a exemplo do americano Edward Albee, com "Three Tall Women", ou do inglês Harold Pinter, com "Moonlight", dois autores clássicos vivos que também voltaram a escrever, os dois brasileiros não têm como escapar de sua origem, de seu tempo.
Quem pode refletir com maior definição o tempo presente são autores novos como o americano Tony Kushner, de "Angels in America". Ou, para não repetir um nome já por demais conhecido, são autores novos como o americano Howard Korder, de "The Lights", o canadense Brad Fraser, de "Unidentified Human Remains", o inglês Jim Cartwright, de "The Rise and Fall of Little Voice".
Todas as peças citadas, de autores novos ou não, foram escritas nesta primeira metade da década de 90. No caso dos dramaturgos jovens, em particular, expressando ou espelhando uma temática que vai do nacionalismo ressurgido à violência, da sombra da Aids à política, à religião, tendo como cenário a grande cidade. Com tudo isso, é um universo em que é possível rir, ter esperança, como aliás anuncia o anjo, a imagem recorrente do teatro, hoje.
Claro que não se trata de uma fórmula a ser exigida dos dramaturgos nacionais, como Flavio de Souza. Mas o teatro brasileiro desta década já vai em tal direção, com ou sem novos autores. E sem autores, limitado aos encenadores, o principal teatro do Brasil prossegue com vícios de esteticismo, tropeça no conteúdo, que não domina, e espelha o presente de maneira deformada.
Mas chega a ser injusto falar assim do teatro, diante do autor de "Sexo dos Anjos", a comédia algo irresponsável que, três anos atrás, adiantava muitos dos temas e elementos citados. Mais injusto ainda, diante de uma obra como "Répétition", o mais bem acabado texto realizado por Flavio de Souza para o teatro –não à toa, distribuído com orgulho, como um programa, à entrada da sala.
"Répétition", que é ensaio em francês, mas também, obviamente, repetição, é uma história intrincada sobre um triângulo amoroso de diretor-atriz-ator, que se revela na peça-dentro-da-peça que os três estão ensaiando, em repetição incessante, mas que muda de interpretação conforme os três mudam de relação.
Como no barroco –aliás, uma presença original, mas renegada, na história oficial do teatro brasileiro– confunde-se realidade com sonho, ou com teatro. Um tema que poderia ampliar-se para um país inteiro que parece não ter outro tema, ultimamente, mas que Flavio de Souza prefere deixar fechado na paixão repisada e egocentrada de seus três, seis ou nove personagens em "Répétition'.
Grandes personagens, que concedem atuações exuberantes, abundantes a Elias Andreato e Xuxa Lopes, mas que conservam a sensação geral de alheamento do teatro no Brasil. A sensação de marasmo.

Título: Répétition
Direção: Flavio de Souza e Mariana Suzá
Quando: Quinta a sábado, às 21h30; domingo, às 20h30
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000, tel. 277- 3611)
Quanto: R$ 5,00

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