São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994 |
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Movimento negro tenta coerção
LISANDRO NOGUEIRA
O desejo de interferência se vislumbra tendo em vista o caráter de "obra aberta" da telenovela. O gênero é dinâmico e comporta mudanças conforme a oscilação dos índices de audiência e da rígida vigilância por parte da emissora, instituições e público. Se a Globo "sugere" a Gilberto Braga que mude o nome do personagem de Antonio Fagundes em "O Dono do Mundo" (1991), que deveria se chamar Fernando, para não melindrar o ex-presidente Collor; se a empresa dos personagens ricos de "Vale Tudo" (1988), que deveria ser uma empresa de armamentos, passa a ser uma companhia de aviação, para não mexer com os militares; se o cardeal d. Eugênio Sales "sugere" ao mesmo autor que leve o cristianismo para as novelas; por que os movimentos organizados, como o dos negros, não poderiam reivindicar seus "direitos"? Esse tipo de interferência praticado pela emissora e outras instituições é negativo e fere o artista e seu processo de criação. O equívoco do movimento é justamente o de caminhar na mesma linha coercitiva das outras instituições. Telenovela é "obra aberta". Mas a ficção seriada feita no Brasil é peculiar e tem marcas de identidade própria. Por isso, a possibilidade de mudanças no desenrolar do enredo não significa que a telenovela seja uma órfã com espaço totalmente livre para a tutela. As telenovelas brasileiras conseguiram atualizar um gênero conservador como o melodrama através de vários procedimentos de produção e criação. Um dos principais foi o surgimento da figura do autor-produtor. Com raiz no cinema de autor de André Bazin e François Truffaut, autores como Gilberto Braga, Silvio de Abreu e Lauro Cesar Muniz detêm um prestígio no interior da indústria brasileira de televisão que lhes permite um poder incomum no mercado das ficções seriadas (telenovelas, "soap operas", séries e radionovelas). As novelas de Gilberto Braga há muito inauguraram o politicamente correto na televisão. As duas principais temáticas recorrentes em suas novelas, o universo feminino de mulheres fortes e independentes e a ética (a consciência moral do cidadão), são resquícios de um ciclo de criatividade e mudanças radicais iniciados nos anos 60. O autor contribui para injetar ambiguidades em telenovelas que, na maioria das vezes, mais reforçam comportamentos conservadores do que estimulam os novos. A atitude politicamente correta num país como o Brasil pode, pelo menos, contribuir para o debate de temas como o racismo. O que já não é o caso de querer monitorar e cercear a liberdade de um autor. E mais: os movimentos de negros são apressados e desconhecem o gênero, pois no folhetim o autor expõe um conflito que demora vários capítulos para ser solucionado. Desconhecendo a dinâmica e a complexidade da indústria cultural brasileira e seu principal produto, a telenovela, o movimento negro posta-se ao lado da arrogância da Igreja Católica, da prepotência do Estado e da interferência cínica da emissora. LISANDO NOGUEIRA é professor na Universidade Federal de Goiás e mestrando na ECA-USP Texto Anterior: Novela cede a protestos de grupos negros Próximo Texto: Flavio de Souza sucumbe ao marasmo Índice |
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