São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Efeito amizade

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – Está nas sagradas escrituras: "As riquezas multiplicam os amigos, mas o pobre o seu próprio amigo o deixa" ("Provérbios", 19, 4).
Rico em popularidade, dono de um cobiçado cesto de votos, Fernando Henrique Cardoso vive aquela fase em que os amigos brotam à sua volta qual capim ao sopé do morro.
Construiu-se nos últimos dias uma sólida convicção: os resultados da segunda rodada eleitoral teriam facilitado a vida do novo presidente.
A teoria está enganchada no fato de que as urnas o presentearam com três amigos em pontos estratégicos: Covas em São Paulo, Azeredo em Minas e Alencar no Rio.
Menciona-se ainda, como evidência da boa vida que estaria reservada a FHC, o triunfo de outros governadores que, embora não-filiados ao PSDB, seriam simpáticos ao príncipe tucano.
A análise soa apressada e, em consequência, irrefletida. No Brasil, um país em que o presidente é um administrador da escassez, nada poderia ser mais perigoso do que um bom e numeroso grupo de amigos.
O problema da amizade é que, em geral, um amigo espera do outro bem mais do que ele pode lhe dar. Assim, enquanto FHC conta com a ajuda dos governadores, estes estão certos de que serão ajudados pelo presidente.
É possível antever um dos momentos em que a amizade será submetida a teste. Os primeiros choques virão no instante em que for reiniciado o debate sobre a partilha dos impostos federais.
Sabe-se que a Constituição de 88 transferiu dinheiro de Brasília para Estados e municípios, sem repassar para governadores e prefeitos a contrapartida em encargos.
FHC quer modificar essa realidade. Espere-se para ver o que dirão os seus amigos. Aguarde-se também pela reação dos compadres, no momento em que o governo decidir ser rigoroso na cobranças das dívidas estaduais.
Os verdadeiros efeitos de tanta amizade só serão de fato sentidos no instante em que FHC, sentado sobre cofres vazios, transformar-se no pobre desenhado no texto bíblico.

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