São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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No começo, Magalhães enfrenta só pinguins

JAVIER PÉREZ DE ALBÉÑIZ
DO "EL PAIS"

A Patagônia que encontraram o navegador português e seus homens era selvagem e inóspita. A Patagônia de hoje também o é. Imensidões planas e desertas, ventos de furacão, névoas espessas, um frio lacerante e a constante sensação de que o céu está prestes a despencar sobre a Terra.
Um triângulo de 790 mil km2, vigiado pelos Andes e banhado por oceanos sem fim. É o sul mais distante, a terra de ninguém. Durante anos foi refúgio de criminosos de toda a América.
Butch Cassidy –o bandido mais procurado dos EUA– e seu bando chegaram à Patagônia em 1900, depois de uma longa fuga através da América, com os US$ 30 mil que seu "tio" lhe havia deixado de herança. O falecido tinha um nome: o assalto ao First National Bank, em Nevada, no dia 10 de setembro do mesmo ano.
A história conta que eles assaltaram alguns bancos patagônios. Sua morte se perde numa infinidade de roteiros de filmes. Mas é fato que o bando viveu durante anos em Cholila, povoado no sopé dos Andes.
Quando Magalhães chegou à atual região argentina de Chubut, no início de 1520, só enfrentou os pinguins. Antonio Pigafetta, que viajava no navio Trinidad e foi o cronista da viagem, começou por chamá-los de gansos. "São negros e parecem ter o corpo inteiro recoberto de penas, sem ter nas asas as penas necessárias para voar."
Quando os viu pela primeira vez, comentou: "Parecem crianças vestidinhas de fraque!" Foram batizados posteriormente de pinguins de Magalhães (Spheniscus magellanicus).
Há três anos, dejetos tóxicos mataram 17,2 mil pinguins em Punta Tombo, reserva natural a 107 km ao sul da cidade de Trelew. Hoje a mesma praia fervilha de pinguins. Abriga uma colônia com mais de 1,5 milhão.
Alguns quilômetros ao norte dessa colônia fica a península Valdez, santuário de baleias. Esses titãs de até 40 toneladas chegam por volta de julho para o acasalamento, os nascimentos e a primeira etapa da vida de suas crias. Vão embora no final de dezembro. São baleias francas austrais (Eubalaena australis).
A frota de Magalhães sofreu ali uma terrível tempestade durante a qual, conta Pigafetta, "os fogos de São Telmo (chama azulada que surge no topo dos mastros dos navios durante tempestades devido à eletricidade) se deixaram ver na ponta dos mastros".
A vida se desenvolve na água. A terra parece um deserto. Um lugar perdido no vento, onde Magalhães viu um gigante pela primeira vez: "Era tão grande que nossa cabeça chegava apenas a sua cintura", exagera Pigafetta. Dizem que Magalhães batizou essa gente de patagões (pés grandes).
O explorador teve a idéia de presentear a coroa espanhola com alguns desses indígenas. Capturou dois homens e os colocou no navio. Deu a um deles o nome de Juan Gigante. Pouco depois, em plena travessia, morreram de tristeza. Era o início do fim de uma raça de gigantes.
Os atuais habitantes da Patagônia vivem da terra, do mar e das jazidas petrolíferas. A Patagônia tem 800 mil km2 de superfície. Nessa imensidão vivem 1 milhão de pessoas, menos de um vigésimo da população argentina. É um santuário natural.
A instalação, em 1865, dos galeses na província de Chabut é lembrada como um grande passo na ocupação da Patagônia, facilitando seu desenvolvimento agrícola. O clima é tão variável que num único dia podem ocorrer as quatro estações do ano.
Magalhães e sua tripulação estavam no limiar da glória, no que hoje é a baía Grande. Descansam dois meses, tempo no qual resgatam os restos aproveitáveis do Santiago, destroçado por um temporal, e retomam sua viagem no dia 18 de outubro.
Três dias depois, divisam um cabo ao qual dão o nome santo do dia: cabo das Onze Mil Virgens. Teriam descoberto a entrada do estreito, o lugar com que sonhavam havia tanto tempo. E não apresentava muito bom aspecto. Por um lado, as águas bravias e escuras de um mar indômito. Por outro a terra, nua ou coberta de neve. E sobre tudo, o céu, um trovoar assustador.
(JPA)

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