São Paulo, quinta-feira, 17 de novembro de 1994
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Estreito é um verdadeiro mar cheio de inimigos

JAVIER PÉREZ DE ALBÉÑIZ
DO "EL PAIS"

Desde a estrada que vai de Rio Gallegos, na Argentina, a Punta Arenas, no Chile, se pode ver as costas em que Magalhães e seus homens fizeram história. "Nada muda na Patagônia", diz o motorista do ônibus.
Sua majestade, o condor, sobrevoa as zonas montanhosas, aos pés da cordilheira dos Andes. Muito perto do estreito, a poucos metros de praias aparentemente tranquilas, os guanacos e as avestruzes disputam com as ovelhas o pasto amarelado e ressecado.
Quem acha que o estreito de Magalhães é um canal estreito e dócil, está enganado. O estreito de Magalhães é um verdadeiro mar.
Além disso, os inimigos são muitos: nuvens densas, ventos de furacão que chegam a 160 km/h, rochas submersas e afiadas como arpões e um clima baseado no frio. Chove 340 dias por ano.
Quando a expedição espanhola chegou a Punta Arenas, encontrou uma natureza menos agressiva. A Patagônia chilena se apresenta mais exuberante graças à proximidade do parque Torres del Paine.
Uma noite, no meio do estreito, Magalhães olhou para o horizonte ao sul e viu grandes nuvens de fumaça. Diz a história que ele então chamou o lugar de Terra da Fumaça, mas que posteriormente o rei espanhol, disse: "Onde há fumaça há fogo. Será a Terra do Fogo."
Essa região perdida começa no outro lado do estreito. É um labirinto de canais açoitados pela fúria das ondas, que termina no cabo Horn. É o reino do silêncio, o caminho para a Antártida.
A viagem pelo estreito prosseguiu sem problemas durante um mês. Magalhães e sua frota finalmente saem da passagem, que recebe vários nomes: Pigafetta a chama de estreito dos Patagões, enquanto o explorador prefere estreito de Todos os Santos. Hoje, em homenagem a seu descobridor, é o estreito de Magalhães.
Eles passam 98 dias navegando por um mar aberto e decidem chamá-lo de Pacífico. Durante três meses não vêem a terra, portanto não bebem e comem.
Em pouco tempo vieram o escorbuto e a morte. Com a doença, provocada pela falta de vitamina C, as gengivas se inflamavam até cobrir os dentes, e suas vítimas não conseguiam comer.
Magalhães morre no dia 27 de abril de 1521, abatido pelos indígenas rebeldes de Mactán.
O navegador não conseguiu dar a volta ao mundo. Essa honra ficou com o novo líder da frota, Juan Sebastián Elcano.
Tampouco viveu para ver como parte de sua proeza acabou numa desprezível transação econômica: o imperador espanhol revendeu as ilhas Molucas a Portugal por 350 mil ducados.
Mas a glória do português sobreviveu a sua morte. Como o pirata Francis Drake, Magalhães tinha um verniz de audácia e romance; sofria da cobiça dos descobridores.
Na praça Gobernador B. Mu¤oz Gamero, em Punta Arenas, no Chile, a poucos metros do teatro Cervantes, se ergue uma estátua do conquistador. Ali perto, um tosco e espontâneo epitáfio pintado em vermelho procura resumir sua história: "Viveu entre o genocídio e a glória."
(JPA)

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