São Paulo, sexta-feira, 18 de novembro de 1994
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Sonia Braga quer filmar Tieta no Brasil

DANIELA ROCHA
DE NOVA YORK

A atriz Sonia Braga fala com a autoridade de quem tem um posto alto: ela conseguiu ser consagrada no Brasil e no exterior. Com o projeto de viver a personagem Tieta no cinema, ainda sem data definida, que deve realizar no Brasil, Sonia não sabe se ficará definitivamente no país ou não.
Enquanto aguarda o início das filmagens, ela assume o papel temporário de divulgadora do namorado, o músico Mark Lambert.
Com postura altiva, ela fala sobre os mais diferentes assuntos com a mesma determinação: de produção cultural a violência no Rio, de novela e música a política. Mas seu tema recorrente é povo brasileiro. A seguir, leia trechos da entrevista com Sonia Braga.
Saga
Quando terminei o filme "Luar Sobre Parador" no Rio, resolvi reler "Tieta do Agreste" e tive a idéia de fazer no cinema. Voltei para os Estados Unidos e estava envolvida com o Sundance (instituto de cinema de Robert Redford em Utah). Nessa época, o Sundance tinha projetos de apoiar o cinema latino. Falei com Robert e ele se interessou em produzir.
Liguei para o Jorge Amado, que falou que o romance estava disponível. Um tempo depois, fui a um festival de cinema na Itália e encontrei com a Beth Faria, que contou que faria "Tieta" na TV.
Pensei: "Ou faço já, ou espero um tempo". Com isso, acabei mudando para Nova York e minha relação com o Robert acabou. Até que o Cacá Diegues veio aqui e topou o projeto. E tenho certeza que vai acontecer.
Autores
Jorge Amado é o grande autor, talvez por ter um lado de pai para mim. Na verdade, tenho essa relação com duas pessoas, uma bem Bahia e outra bem Rio: Jorge Amado e Nelson Rodrigues. Adoraria fazer uma peça de Nelson Rodrigues.
Talentos
Metade o povo brasileiro é de talentos, de bailarinos, cantores, músicos, letristas, cozinheiros, verdadeiros artistas. O que falta é uma escola, um centro de arte para as pessoas desenvolverem seus talentos. Não acho que a arte é prioritária no Brasil neste momento. Mas acho que muita gente poderia estar vivendo de fazer arte. Nesse sentido ela é prioridade.
Neste momento, 300 mil artistas brasileiros poderiam estar correndo o mundo, fazendo dinheiro e o nome do Brasil. Seguramente, é um dos povos mais talentosos do mundo inteiro.
Produção cultural
Os profissionais de cinema, artistas, pintores, músicos, vivem uma situação muito difícil no Brasil. No caso dos músicos, eles só continuaram sua produção graças às gravadoras internacionais. Mas se a MPB fosse como o cinema brasileiro, talvez a gente tivesse parado em "O que Será que Será".
A grande beleza do Brasil é que os artistas não se desativam. Na pior época para a produção cultural no Brasil, a música de Chico Buarque, Caetano, Gil e o teatro foram mais importantes do que qualquer política.
O balé Stagium, por exemplo, nunca parou por um milagre. Ele consegue viajar o mundo, deve vir para cá no ano que vem. Mas é por conta de cada um. Não existiu um cuidado, uma preocupação com a cultura no Brasil.
Televisão
Gosto muito de fazer novela e sempre tentei voltar e fazer televisão. Mas foi impossível porque todas as ofertas que tive não tinham negociação. A última vez que recebi um convite foi no ano passado, para participar da novela de Gilberto Braga. Adorei a idéia, mas não consegui negociar salário.
Não posso abrir mão de uma posição que eu conquistei. É um crime, um abuso pensar que se paga de salário 10% do faturamento de um minuto da novela no ar. Isso é exploração. Ainda assim, acho ótimo trabalhar para uma empresa como a Globo. É um prestígio muito grande, mas não posso crescer só para um lado.
Portas abertas
É triste constatar apenas no exterior que o fato de ser brasileira faz com que as portas se abram. No mundo inteiro, todo mundo conhece o Pelé, o Antonio Carlos Jobim e sabe muito do cinema brasileiro.
Festivais
Para mim, os festivais de cinema do mundo decaíram muito. Não é mais como nos anos 60. Não existe mais Glauber Rocha. Todos os festivais são super comerciais. Mas por aí dá para ver que existe uma tendência de mercado que é importante conhecer para se poder optar por esse ou outro caminho.
FHC
Para o Brasil ter um bom desenvolvimento é importante ter boa relação com outros países. O Fernando Henrique Cardoso é essencial nessa política. Neste momento, existe uma preocupação do entendimento, da capacidade de as pessoas se comunicarem e é essa a política de Fernando Henrique. Ele entende a necessidade do desenvolvimento cultural, além da importância social de as pessoas terem o que comer, de se diminuir o nível de violência.
Violência no Rio
Acho uma tragédia o que está acontecendo no Rio, um dos lugares mais bonitos do mundo. Existe lá um potencial de tudo, de mão-de-obra, turismo, de emprego, de felicidade
É uma violência não criar condições para que as pessoas vivam e trabalhem decentemente, sem corrupção da polícia. O que acontece neste momento lá é muito confuso para mim. Espero que seja claro para alguém.
Povo brasileiro
Não admito que se fale mal do Brasil. O país está violento porque foi criada uma situação sem saída para a população. É comum ver um pai de família sem perspectiva de trabalho, com seis filhos em casa morrendo de fome. Imagine cinco gerações assim. Isso gera uma situação social difícil de mudar.
Outra coisa que não suporto ouvir é que brasileiro não é trabalhador. É o povo que mais trabalha no mundo. E trabalha feliz. Não existe povo como o brasileiro.
Tipo exportação
Quando vim aqui pela primeira vez, com o filme "Eu te Amo", disse em uma entrevista que não aspirava a ser uma estrela brasileira. O que eu queria –e quero– é que o cinema brasileiro seja a estrela. É isso o que me interessa.
Mais tarde, quando estava promovendo "O Beijo da Mulher Aranha", fui a todos esses "talk-shows" sozinha.
Acho importante eu conseguir segurar o status de atriz brasileira fora e dentro do país, como se eu fosse uma coisa abstrata que deu certo, como uma marca de café, que, quando pega, tem sua venda assegurada.
Mulher brasileira
O antropólogo Gilberto Freire afirmou que duas mulheres representavam a mulher brasileira, a Vera Fischer e eu. Uma alta, de olho azul, cabelo liso, e outra pequenininha, de bunda grande. E é verdade.
Se me deixarem representar a mulher brasileira, eu tenho o maior prazer. Se falarem que o estereótipo da mulher brasileira é ser boa de cama, acho um tremendo de um elogio. Não existe nada de mal nisso.
Cenas de sexo
Nunca tive problemas de falar sobre sexo, de fazer cenas de sexo. Aliás, é uma coisa que sempre achei legal. Agora, nos Estados Unidos, é preciso implorar para ter uma cena de cama em um filme. Em dois dos vinte filmes que eu fiz aqui, perguntei se não haveria nenhuma cena de sexo. Quando tinha alguma no script, eles cortavam.
Aqui, para se provar que é um país liberal, qualquer um pode ligar a TV e assistir aquela coisa absolutamente pornográfica, chata, mecânica. Mas discutir a qualidade

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