São Paulo, sábado, 19 de novembro de 1994
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Dólar divide governo e empresários

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

Há conflito de opinião insolúvel entre a equipe econômica e o empresariado de São Paulo em torno da política cambial. Isso tem levado representantes desse empresariado a fazer lobby junto ao presidente eleito por um ministro da Fazenda que não pertença ao núcleo da atual equipe.
O conflito está na cotação do dólar. O que o empresariado considera o pior ponto do Plano Real –o dólar barato e flutuante–, é, para a equipe econômica, ou uma prova de sucesso ou uma circunstância inevitável e necessária no momento.
Para o empresariado, o dólar barato é ruim porque encarece os produtos brasileiros de exportação e barateia os importados, as duas coisas levando à destruição da indústria brasileira, incapaz de competir lá fora e aqui dentro.
Já para a equipe, o dólar barato é, primeiro, prova de sucesso do real: ninguém correu para o dólar, o que acontece quando há desconfiança em relação à moeda local.
E, finalmente, esse dólar barato estimula as importações, objetivo essencial do plano.
Essas importações, de um lado, aumentam a oferta de produtos, equilibrando o crescimento de consumo e evitando pressão de preços.
Assim, a equipe e o empresariado paulista estão falando línguas incomunicáveis quando se trata da política econômica no governo FHC.
Quando o empresariado pede que o governo eleve o dólar à cotação de um para um com o real, está na verdade pedindo o fim deste plano. Isso seria uma desvalorização do real, encarecendo importações e gerando inflação.
E se o governo, como quer parte do empresariado, passasse a monitorar a taxa de câmbio, desvalorizando o real toda vez que houvesse inflação interna, estaria simplesmente voltando à indexação generalizada.
O desentendimento prossegue na avaliação dos resultados dessa política. O empresariado paulista diz que a economia brasileira foi escancarada. A equipe acha que a economia brasileira ainda é muito fechada.
Lembra o diretor do Banco Central Gustavo Franco, responsável direto pelo câmbio: em 1980 o Brasil importava o equivalente a 10% do que produzia internamente; hoje, importa 5%.
O empresariado quer que a taxa de câmbio seja o necessário para tornar competitiva a indústria local. A equipe está dizendo ao empresariado: a política de câmbio é essa aí e a indústria que trate de se virar para ser competitiva nesse quadro.
O empresariado diz que nenhuma indústria resiste à valorização da moeda local. A equipe gosta de lembrar que o iene se valorizou cinco vezes em relação ao dólar e o Japão continua exportando.
O empresariado diz que a indústria local vai sumir. A equipe acha que algumas indústrias vão mesmo sumir, outras se adequarão à internacionalização e novas virão.
Ou seja, se o empresariado quer mesmo mudar a política cambial, tem que pedir a Fernando Henrique Cardoso a nomeação de outra equipe, para fazer outro plano.
Como parece difícil pedir mudanças em um plano que está funcionado, há empresários tentando emplacar um ministro da Fazenda de fora da atual equipe, na suposição de que tal ministro seria mais sensível à argumentação paulista.
Mas ao fazer isso, o presidente eleito estaria criando tensão interna num dos pontos essenciais de seu programa –a administração do real. Este é um aspecto decisivo da montagem do governo FHC.

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