São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os 13 de Nova Brasília - 2

MARCELO LEITE

É com pesar que volto ao tema da violência no Rio, e sob efeito de dois impactos: a conclusão da investigação sobre a chacina que serviu de pretexto para a ocupação da ex-Cidade Maravilhosa e a réplica "Aposta no bom jornalismo", do diretor da Sucursal do Rio da Folha, Luiz Caversan, publicada aqui ao lado no domingo passado, em contestação à coluna do dia 6.
Começo pelo impacto mais recente –e muito mais forte. A comissão nomeada pelo governador fluminense, Nilo Batista, concluiu o que todos já sabiam: houve, de fato, uma chacina na favela Nova Brasília, em 18 de outubro. Em pelo menos três casos, execuções premeditadas e covardes realizadas por pessoas pagas para fazer respeitar a lei.
Apesar de ser uma notícia tão importante quanto a das próprias mortes, somente dois dos quatro grandes jornais de prestígio a estamparam na capa de quinta-feira: "O Globo", do Rio, e esta Folha. "O Estado de S.Paulo" e o "Jornal do Brasil" preferiram não fazê-lo, acreditando talvez que seus leitores já teriam esquecido os cadáveres daqueles rapazes.
Melhor ainda, os dois diários que não esconderam a notícia deram-lhe um tratamento crítico. Ambos destacaram, em seus textos de chamada na primeira página, a informação acabrunhante de que o delegado que chefiou a expedição selvagem fora promovido ao terceiro posto da hierarquia policial civil do Estado. Foi o suficiente para derrubar a máscara de bom moço do governador do Rio.
Pelo menos no caso da Folha, nada a estranhar. O jornal prosseguia na sua linha investigativa e questionadora, que teve seu momento alto na manchete de domingo passado: "Exército prevê ocupar morros" (baseada em documento militar reservado obtido com exclusividade pelo jornal).
Meu papel, como ombudsman, é precisamente este, apontar acertos e erros. Da Folha, em primeiro lugar, mas também de outros meios de comunicação, uma vez que o trabalho de crítica tem como um de seus esteios a boa e velha comparação.
Ocorre que nem sempre ela é bem-vista, como na minha opinião fica evidente na resposta do diretor da Sucursal do Rio. Principalmente quando é feita em público.
Em pelo menos 15 oportunidades, fiz críticas e elogios à cobertura da Folha do combate à violência carioca, na crítica interna da edição que circula diariamente na Redação (inclusive no Rio). Nunca chegou ao ombudsman uma linha de comentário dos jornalistas da Sucursal, contra ou a favor. Quando o mesmo ombudsman tratou do tema para milhões de pessoas, originou a resposta do diretor da Sucursal, cujo equilíbrio e proporção deixo ao leitor julgar.
Seu melhor argumento está logo no início da réplica, a alegação de que a Folha tinha, sim, noticiado a realização de autópsias nas 13 pessoas assassinadas em bárbara represália. Ele está certo; eu errei. Assumi o erro em relatório interno à Direção de Redação e à Sucursal, e o faço agora publicamente.
Em seu artigo e em um segundo relatório interno, que recebi na quinta-feira, o diretor da Sucursal se recusou, no entanto, a debater meu argumento central. A saber, que depois das denúncias iniciais sobre execuções pouco se fez para investigar a fundo uma hipótese tão verossímil. Mais que tudo, incomodava-me o longo silêncio da imprensa depois que os tanques e fuzis passaram para o primeiro plano no noticiário.
Na réplica, Caversan cita com justificado orgulho que Nilo Batista criou uma comissão de investigação influenciado pelo noticiário da Folha. Em seguida, informa que "tal comissão ainda não chegou a conclusão alguma". E arremata: "Mas esta é outra história."
Discordo do diretor. Para mim, não era outra história. Era "a" história.
Logo a seguir, a réplica alinha quatro parágrafos (do 11º ao 14º) de elogios à cobertura da Sucursal sob sua responsabilidade. É um resumo muito econômico de seu primeiro relatório interno, que apresentava em quatro páginas uma comparação dia a dia das reportagens do "Estado" e da Folha.
Trata-se do documento mencionado no penúltimo parágrafo da réplica, que deveria "demonstrar" o contrário do que eu escrevera, que o concorrente, "mesmo ficando para trás no aspecto interpretativo, ainda apresentava desempenho melhor na quantidade de informações".
Depois de reler todas as edições cobertas pelo relatório, de 19 de outubro a 7 de novembro, cheguei à conclusão de que ele não "demonstra" nada do que pretendia. Encaminhei 13 contestações, que terminaram sem resposta porque num levantamento foi usada a edição Nacional da Folha (aquela de que dispõe a Sucursal do Rio) e, no outro, a edição São Paulo (que chega à maioria dos leitores).
Seria perda de tempo refazer todo esse trabalho –além de uma inimaginável chatice, que não desejo nem mesmo para quem polemiza comigo, justa ou injustamente. Dificilmente se concluiria algo de proveitoso. De que adianta verificar que a Folha teve, vá lá, 21 informações exclusivas e o "Estado", 18, ou vice-versa? Esse tipo de placar não interessa ao leitor, somente à vaidade dos jornalistas.
Na minha opinião, o que importa saber é: o leitor da Folha esteve bem informado sobre a investigação em Nova Brasília? A imprensa persistiu em seu papel de fiscalizar o Estado neste caso específico? A Folha resvalou ou não para o patamar inferior de seus concorrentes com a infeliz manchete de 2 de novembro?
Sobre esta última pergunta, antes de passar às respostas finais do diretor da Sucursal e antes que a paciência do leitor se esgote, um esclarecimento.
No Dia dos Mortos, a Folha trazia como título principal da primeira página "Nilo quer limitar ação do Exército", seguido no subtítulo da afirmação: "Governador diz que manda na segurança do Rio". O texto da "boa entrevista" –como a ela me referi na coluna– não mostrava exatamente um homem dado a bravatas, como pintava a primeira página, mas sim um governador acuado e diminuído, respondendo com formalismos legais a questões políticas concretas envolvendo sua autoridade.
Protestei, neste caso, contra o que considerei exagero e precipitação do jornal. Dediquei as 37 primeiras linhas da crítica interna de 2 de novembro a explicar meu protesto. Dois dias depois, quando redigi minha coluna, ainda estava sem resposta. Retomei a crítica, de forma resumida, em "Os 13 de Nova Brasília".
No meu entender, continuei sem resposta. Em sua réplica, Caversan limitou-se a qualificar minha objeção como "incompreensível". O que mais se aproxima de um argumento é a afirmação: "Não se poderia esperar outro procedimento senão destacar em manchete as declarações do governador."
Ora, o que eu punha em questão era justamente que as palavras "quem manda na segurança do Rio" fossem dele. Na realidade, bastava ler o texto no miolo do jornal para constatar que elas estavam na pergunta do repórter. Nilo Batista respondeu, mais uma vez na defensiva, que segundo a Constituição quem mandava era ele. É um expediente muito usado em jornais, infelizmente, o de apresentar ao leitor como declarações espontâneas do entrevistado aquilo que o repórter perguntou.
Isso tudo são águas passadas, no entanto. A satisfação para o público que eu pedia já foi dada –uma conclusão para a investigação da matança em Nova Brasília. Agora "só" falta punir exemplarmente os culpados. Mais uma vez, acho que é obrigação da imprensa ficar em cima –e a do ombudsman, em cima da imprensa, cobrando reportagens.
Por fim, e para mostrar que não considero indispensável ter a última palavra para ter razão, reproduzo as considerações finais do diretor da Sucursal do Rio:
"O leitor da Folha esteve, sim, bem informado, na maioria dos dias em questão mais bem informado do que o dos demais jornais. No caso da Folha houve sim o desempenho do papel de fiscalizar o Estado. A Folha não resvalou para patamar algum de inferioridade com a manchete do governador Nilo Batista. Fez a opção correta; argumentei sobre isso em meu artigo. Reconheço, no entanto, que o ombudsman tem todo o direito de discordar disso."

Texto Anterior: Equipe descarta modelo argentino para real
Próximo Texto: A tentação do inútil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.