São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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A tentação do inútil

JANIO DE FREITAS
A TENTAÇÃO DO INÚTIL

Os militares da operação anticriminalidade quiseram dar uma resposta à expectativa em torno de sua ação e fizeram uma farsa que não alcançou mais do que o ridículo. Tão zelosos da imagem do Exército, comprometeram-na logo de saída: desrespeitaram o convênio entre os governos federal e estadual, descumpriram ordens internas do comando do Exército e, na prática, sua ação foi de absoluta inutilidade.
A pomposa explicação de que foi acionada "a asfixia econômica do tráfico", impedindo o comércio de drogas nas favelas cercadas, não se salva nem com a ajuda do jornalismo-ficção. O cerco mais longo durou umas cinco horas. Aos criminosos bastou não sair das favelas durante o cerco ou, à vista do aparato, tomar outro rumo em vez de entrar na favela. Recolhida a tropa, entrou e saiu quem quis, com drogas e com armas. Asfixiada ficou apenas a suposição de que os militares da operação teriam planejado algo mais inteligente e mais sério para cumprir o seu novo papel.
Em todo o episódio da participação dos militares contra a criminalidade no Rio, o ministro do Exército, Zenildo Lucena, tem mostrado ponderação exemplar. Justifica-se, portanto, sua reação ao descumprimento da ordem de que seus comandados não entrassem nas favelas, reservando-se ao apoio às polícias incumbidas das incursões. O Exército entrou em uma só favela na sexta-feira, a do morro Dona Marta. Por coincidência, há dias fora recolhida a informação de que os identificáveis como criminosos haviam deixado a favela, dispersando-se pelas cercanias ainda bem dotadas de matas. A incursão desobediente e exibitória só podia, mesmo, ocorrer com a tranquilidade turística que teve: no Dona Marta, que é um dos dois focos mais inquietantes da Zona Sul carioca, nada e ninguém foi encontrado capaz de justificar a presença sequer de um só soldado.
Ações como as determinadas pelo núcleo militar da operação anticriminalidade já foram feitas incontáveis vezes pelas polícias. Se dessem os resultados necessários, os militares não teriam sido lembrados para o novo esforço contra a criminalidade. Se foram, foi para que contribuíssem com algo novo em planejamento, em quantidade do contingente e em métodos de ação. Não foi isso, no entanto, que se encontrou nos documentos e entrevistas dos militares, antes de iniciarem a ação, nem é o que agora vemos na ação.
Melhor do que a ansiedade em agir para atender às expectativas criadas por seu novo papel, seria que os militares só agissem quando tivessem algo a acrescentar em eficácia à luta difícil contra o banditismo. Do contrário, logo estarão enredados em desgastes irritantes e, por isso mesmo, estimuladores das exacerbações próprias de militares irritados. E aí ninguém sabe no que dará sua participação pretensamente salvadora do Rio. Mas em boa coisa, por certo não será.

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