São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Sigilo administrativo é exceção

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não preciso tomar o tempo do leitor dissertando sobre a enorme distância entre a letra do texto constitucional e a realidade possível quanto ao direito e o dever da informação pública. Em primeiro lugar porque mesmo nos países de mais sólida tradição democrática se reconhece que há fatos cujo segredo pode ser mantido pela administração. O exemplo mais atual, nestes tempos de violência urbana, se refere ao que acontecerá, em qualquer ponto do país, se uma diligência policial depender de prévia divulgação pública.
O sigilo se submete, porém, a uma regra fundamental: é a exceção. Exceção restritíssima. O interesse geral da sociedade está no conhecimento de todos os atos da administração. Quanto maior o número de pessoas a par dos fatos públicos, melhor.
O sigilo é perigoso por várias razões. Discrimina quem não tem acesso à informação, a benefício dos que têm (e podem ganhar dinheiro, podem antecipar providências vantajosas e fugir ao efeito de medidas contrárias). Quebra a igualdade jurídica perante 'a lei. Fatos recentes da vida brasileira demonstraram as vantagens colhidas pelos privilegiados que puderam ser descobertos.
O sigilo também é antidemocrático. Num povo que não tem a cultura da contestação, cujas maiorias ignoram seus próprios direitos ou não acreditam nos mecanismos de os defender – lamentavelmente é o caso do Brasil – brota fácil a indiferença pelos fatos da administração. Facilita o domínio do poder pelo poder.
A regra geral afirma o direito do povo de receber a informação imediata, ampla, com a transparência inerente ao exercício legal da administração. A experiência mostra, porém, a especial capacidade dos governos de manusearem a informação a seu gosto. Divulgam versões distorcidas, lançam balões de ensaio, omitem fatos. Quando convém partem para o excesso informativo, de modo a impedir que a sociedade avalie adequadamente as alternativas propostas.
Volto à história recente, com o uso da comunicação social, especialmente a televisão, para que os administradores realizem os objetivos pretendidos. Há casos nos quais a manipulação termina conhecida. Contudo, de um modo geral, o povo nem sabe que está sendo tratado como marionete, quando os agentes públicos usam a informação divulgada ou omitida para obter certos resultados ou condutas determinadas, mas com tal habilidade que, ao mesmo tempo, mantêm sua identidade em segredo.
Quando a imprensa divulga fatos que a administração queria manter em sigilo, surgem gritos de revolta, frequentemente marcadas pelo falso moralismo, enquanto um dos traços usuais da hipocrisia governamental. Servem de exemplo as campanhas para aumentar a arrecadação. Nelas, os governos criticam o nível ético dos que (supostamente) estão em atraso ou sonegam. Todavia, esses mesmos governos – com a responsabilidade de seus administradores – não pagam dívidas, caloteiam credores, servem-se de expedientes processuais (que tentam ocultar) para descumprirem suas obrigações.
O Estado Democrático de Direito, conforme se lê (em maiúsculas), no artigo 1º da Constituição, adquire perenidade se a transparência dos atos de governo for a regra. Há, porém, leis que impedem ou autorizam o sigilo. Devem ser observadas sob a ótica da excepcionalidade, compondo um panorama no qual os interesses coletivos são respeitados, sem ofensa à intimidade, à honra e à imagem dos indivíduos.

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