São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Álbum de recordações

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA – O álbum de fotografias é uma espécie de geladeira da história. Nele armazenamos, imperecíveis, as imagens do nosso tempo.
Guardo na mente um álbum do Brasil dos últimos anos. Ao folheá-lo, deparei com duas fotografias marcantes. Ambas nos remetem para a era Collor.
A primeira foto congelou uma imagem do início da gestão do ex-presidente. Uma fase em que os leilões de privatização de estatais ainda geravam cenas de guerra.
Diante da Bolsa de Valores, um manifestante antiprivatista investe, por trás, contra um empresário. A cena, reproduzida em jornais e revistas da época, flagra o momento em que, pé erguido, o sujeito deixa nas costas do paletó inimigo a marca de sua ira.
A outra foto que guardei no congelador é ainda mais significativa. Ao observá-la, chego mesmo a ouvir os sons da época.
Afastado da Presidência, Collor deixa o prédio do Palácio do Planalto pela porta da frente. Rosto crispado, mãos dadas com Rosane, ele atravessa, a caminho do helicóptero, um corredor de manifestantes. Ouvem-se gritos: "Ladrão, ladrão".
O bom dos álbuns é que suscitam comparações entre o passado e o presente. Pode-se concluir, por exemplo, que, num espaço de tempo relativamente curto, o país experimentou duas revoluções.
Houve uma revolução ideológico-conceitual. Hoje, os leilões de privatização se processam em silêncio. Caíram das manchetes, no alto das páginas dos jornais, para as notas de rodapé.
Houve também uma revolução ética. Elevaram-se os padrões de exigência do brasileiro em relação ao comportamento de personagens públicos. Vigiam-se sobretudo aquelas pessoas com acesso a cofres públicos.
Não restam dúvidas de que evoluímos. Há, no entanto, uma revolução por ser feita. É preciso virar do avesso as práticas políticas tradicionais, ainda fortemente baseadas nas noções fisiológicas de troca de favores. No discurso, Fernando Henrique se propõe a dar início ao processo.
Pois bem, que tenha sorte. Vai precisar. E que a história nos permita folhear melhores recordações no futuro.

Texto Anterior: O Brasil e a Pepsi
Próximo Texto: Como se livrar da imprensa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.