São Paulo, domingo, 20 de novembro de 1994
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Como se livrar da imprensa

CARLSO HEITOR CONY

Carlos Heitor Cony
RIO DE JANEIRO – Só quem é FHC, candidato ao ministério, delegado corrupto ou varão suspeito de ter tido caso com Isadora Ribeiro pode saber o que seja enfrentar os rapazes da imprensa. A expressão é de antanho, mas a função resistiu, agora acrescida de raparigas.
São kamikazes da notícia. Se o editor manda entrevistar o obelisco da avenida Rio Branco, eles arrancam da pedra uma declaração contra ou a favor do Plano Real. Consta que, em certas editorias, vigora o lema: "Se for uma bomba não importa que seja mentira, depois a gente desmente".
Há um macete que ensino aos interessados. Foi o caso daquele general que, em uma das crises republicanas, participou de uma reunião no antigo Ministério da Guerra. A situação estava tensa, presidente enfartado, vice fugindo para não ser preso no Catete, o cardeal pedindo cordura e não-derramamento de sangue.
No saguão, os rapazes da imprensa aguardavam as decisões. Súbito, as portas se abriram, saíram generais, dois juristas, um adido militar dos EUA e um velhinho que na época era a reserva moral da nação em exercício.
Avisaram que o general fulano seria o porta-voz. O qual, para aumentar a tensão, foi o último a sair. Limpando a garganta (é um lugar-comum da situação), o cabo de guerra começou: "Foi uma reunião perfunctória..."
Os rapazes esbugalharam os olhos. "Como? Fale mais alto, general, aqui atrás não se ouve direito!" O general apelou para sua famosa voz de comando, nos tempos em que foi o melhor instrutor de ordem-unida da 1ª Região Militar. "A reunião foi perfunctória..."
Os rapazes agradeceram, obrigado, general, obrigado, estamos com pressa, temos de pegar o fechamento do jornal. Deixaram o general perfunctoriamente em paz.
Nas redações, a informação gerou pasmo e especulações. Um editorialista, que só entrava em ação em horas de suma gravidade, começou a escrever um alerta contra a ruptura do processo democrático. O editor de esportes, resignado, jogou na cesta uma chamada de oito linhas que fizera para a primeira página.

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