São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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Indústria forte dá ao Brasil a liderança do Mercosul

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em razão de seu parque industrial, o Brasil ingressará em posição vantajosa no Mercosul (Mercado Comum do Cone Sul), mecanismo de livre comércio que passa a vigorar em janeiro e do qual também fazem parte a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.
É o que afirma John Kelly, vice-presidente responsável pelas Américas da Andersen Consulting, a maior empresa mundial de consultoria.
Em entrevista à Folha na última quarta-feira, em São Paulo, ele também afirma que a infra-estrutura deficiente no campo das telecomunicações continuará a ser um fator de desconforto para os investidores externos que procuram o mercado brasileiro.
Kelly acredita que a estabilização da moeda, caso comprove sua consistência, tende a atrair um volume crescente de capital de risco, sem que haja uma concorrência com os investimentos no México, beneficiado por sua integração aos Estados Unidos e ao Canadá no quadro do Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio).
Eis os principais trechos da entrevista:
Folha – Que setores da economia brasileira se beneficiarão com o Mercosul?
Kelly – O Brasil terá de início uma vantagem incontestável com seus produtos industrializados. Estive na Argentina há duas semanas e lá encontrei homens de negócios brasileiros em praticamente todos os lugares. A base industrial brasileira a capacita para uma boa dianteira.
Folha – Isso não seria em razão de um parque industrial mais completo que o argentino?
Kelly – Não sei se é bem este o caso. Mas a tendência é a de que produtos como automóveis têm mais chances de se impor quando produzidos no Brasil.
Folha – Após a aprovação do Nafta pelos Estados Unidos, o México não estaria mais atraente aos investidores estrangeiros?
Kelly – O México está atraindo bastante investimentos dos EUA e de outros países. Mas não se trata de um mecanismo excludente. O Brasil também atrai em razão do tamanho de seu mercado, da modernidade de suas empresas e dos recursos naturais, num quadro positivo a longo prazo que, a um prazo mais curto, ganhou um novo atrativo com a estabilização da moeda.
Folha – Com relação à inflação, os investidores externos estavam habituados a obterem no Brasil ganhos financeiros.
Kelly – O ganho às custas da inflação nunca representou estratégia para investidores. O que conta é o investimento na produção e a adoção de meios para que a empresa se torne mais competitiva.
Folha – O Mercosul seria um estímulo para se acelerar a modernização interna das empresas, com reforma de estrutura e métodos mais ágeis de gestão?
Kelly – A lógica é simples: conforme as economias se globalizam, mudanças internas são imprescindíveis. Isso já ocorre com os artigos de consumo mais expostos à abertura do mercado, como cerveja, bebidas não-alcoólicas, produtos eletrônicos ou alimentos.
Folha – Ainda com relação ao Brasil, as recessões e períodos de instabilidade econômica não teriam desestimulado a formação de uma geração mais moderna de empresários?
Kelly – Pelo contrário. Nossa equipe no Brasil constata padrões de comportamento empresarial bem próximos dos internacionais. Se a estabilidade da moeda se mantiver, essa cultura empresarial terá tudo para crescer ainda mais.
Folha – Ou seja, o sucesso depende do Plano Real?
Kelly – Estávamos antes confiantes quanto às metas mais longínquas da economia brasileira. Estamos agora confiantes quanto às metas mais imediatas. Temos, por exemplo, um enfoque bem mais otimista quanto ao Brasil do que com relação à Venezuela, onde o contexto político desestimula a economia.
Folha – Em termos mundiais, de que maneira o crescimento do interesse dos investidores pela China não deslocariam para a Ásia capitais que o Mercosul poderia atrair?
Kelly – Acreditamos que os países daquela região deverão registrar nos próximos anos as maiores taxas de crescimento, seguido pelo bloco do Nafta e em terceiro lugar, com um desempenho mais modesto, a União Européia.
Mas não devemos superestimar a atração que os chineses exercem na concorrência por dólares. Há barreiras, a começar pelo idioma, que tornam o processo mais lento.
Folha – Por que a Europa ocupa apenas uma terceira colocação?
Kelly – Os diagnósticos correntes dizem respeito à dificuldade das empresas européias de diminuírem seus custos em razão do custo elevado da mão-de-obra e dos programas sociais.
Folha – O inverso do que ocorre com o Brasil?
Kelly – Não. O Brasil atrai investidores em razão do tamanho de seu mercado e pela existência de amplos recursos naturais.
Folha – Como seus clientes investidores avaliam a rede brasileira de telecomunicações?
Kelly – Ela é criticada por suas deficiências. A modernização dela têm sido insuficiente e a falta de linhas ou de canais de satélite coloca o país em situação de inferioridade com relação ao México, Venezuela ou Argentina.
Folha – O sr. acha que uma estatal pode ser internacionalmente competitiva?
Kelly – Por definição, estatais não podem ser eficientes ou competitivas. Em escala cada vez maior, observa-se uma tendência mundial à privatização dessas empresas. Mesmo o México preserva como estatal apenas sua empresa de petróleo, a Pemex. Não é para nós uma questão política. É o produto de uma observação prática.
Folha – A integração entre economias nacionais ocorrerá mais rapidamente no Nafta ou no Mercosul?
Kelly – Sem dúvida alguma no bloco norte-americano porque já são há muito estreitas as ligações entre o Canadá e os Estados Unidos e porque os vínculos do México com a economia norte-americana já eram muito fortes.

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