São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Privilégio sancionado

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA-O vocábulo cartório transformou-se no Brasil em sinônimo de privilégio. Quando se deseja afirmar que determinado segmento empresarial busca proteger-se da concorrência sob as asas do Estado, diz-se que este ou aquele setor transformou-se num "cartório".
A expressão decorre da má fama dos tabelionatos, repartições onde fazem-se os registros públicos, de casamentos a vendas de imóveis. Espécies de concessões do Estado, os cartórios contruíram, até 1988, uma tradição de desvios.
Até então, a titularidade dos cartórios, estabelecimentos altamente rentáveis, dependia de um favor do Estado. Só a obtinham, portanto, os amigos do governante de plantão.
O direito de explorar os serviços notariais eram transferidos hereditariamente. O histórico de absurdos foi parcialmente interrompido pelos parlamentares constituintes de 88. Eles incluíram na Constituição norma que obriga a realização de concurso público para a escolha dos titulares de cartórios.
Cinco anos mais tarde, aprovou-se uma lei no Congresso para regulamentar o texto constitucional. A lei contém inegáveis avanços, mas ainda traz as digitais do lobby dos cartórios.
Antes, quando ainda podia transferir privilégios para os filhos, os donos de cartórios eram obrigados a se aposentar com, no máximo, 70 anos. A nova lei tornou essa aposentadoria opcional.
Assim, enquanto estiver respirando, ainda que completamente gagá, o dono do cartório não entregará o osso, mantendo a instituição nos limites familiares.
Trata-se de uma evidente distorção, que escapou, por descuido ou ato intencional, à caneta de Itamar Franco. O presidente sancionou a lei sem eliminar o problema.
Outra anomalia da lei sacionada pelo Planalto na sexta-feira é a abertura para que os próprios cartórios elaborem as suas tabelas de preços, uma atribuição antes entregue aos tribunais de Justiça.
Partiu-se do falso pressuposto de que os cartórios concorreriam entre si. Considerando-se o histórico de tais instituições, o mais provável é que se juntem para formar um cartel, impondo ao público os preços de sua conveniência.

Texto Anterior: Por que me ufano
Próximo Texto: Primeiros momentos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.