São Paulo, terça-feira, 22 de novembro de 1994
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A solução já é o problema

JANIO DE FREITAS

"O que interessa para nós é a área. O bandido, se ele foi para outro lugar, é outro caso." Esta frase, emitida pelo porta-voz do comando militar da suposta operação anticriminalidade no Rio, sobre o paupérrimo resultado das ações militares em favelas, vai muito além do seu "non sense". É, nos últimos dias, uma das poucas afirmações rigorosamente verdadeiras dos envolvidos na operação militar, mas também desastrosamente verdadeira.
A frase começa por indicar o despreparo dos militares para a tarefa que lhes coube e, pior ainda, que nem sequer entenderam no que estão metidos. A maior importância do controle de uma área, interessando menos se os ex-controladores fugiram, morreram ou foram capturados, é uma concepção (discutível) da tática de guerra, guerra mesmo. O que motivou a participação militar no Rio, porém, não foi o controle estratégico de certas áreas, mas o próprio "inimigo" –o seu desarmamento e, no maior número possível, a sua captura.
Não buscado este objetivo, a participação dos militares não tem sentido. A ocupação efêmera reduz-se a um risco despropositado, que já fez vítimas inocentes e tende a fazer mais. A conclusão de que "a Mangueira", como foi dito também das outras favelas visitadas pelos militares, "é uma área limpa do crime organizado", não passa de engodo, restando ver se para conforto íntimo dos militares da operação, se para dar à população a idéia de um êxito na verdade inexistente. Na Mangueira, como nas demais favelas visitadas, a "limpeza" foi, se tanto, breve intervalo na criminalidade ostensiva.
O que não está apresentando resultado contra a criminalidade está, no entanto, apresentando a favor dela. Os praticantes do crime grupal estão mais fortes no Dendê, no Andaraí, na Mangueira, no Dona Marta. Têm motivos para ser vistos em suas comunidades, e para considerar-se, como vitoriosos: os militares invadiram favelas, cercaram outras, e nada se alterou em qualquer delas. O tráfico, com suas implicações todas, voltou ao habitual tão logo os militares fizeram suas repentinas retiradas, como a Folha comprova hoje.
O que se alterou foi a expectativa em relação ao desempenho dos militares. E não só quanto à eficácia esperada em vão. As restrições à atividade de repórteres, já por si suspeitas e ilegais, avançam para o autoritarismo intolerável com a censura violenta pela apreensão de equipamento fotográfico. A falta de documentos pode até sujeitar à detenção para averiguações, mas agride os direitos constitucionais que estas pessoas sejam obrigadas a ficar nuas, muitas algemadas por falta só de uma carteira.
O convênio entre os governos federal e estadual refere-se, explicitamente, à ação conjunta sob o estrito respeito às leis e à Constituição. Não é o que está acontecendo. Nem as incursões ineficazes nas favelas correspondem, como disse nota oficial dos militares, às determinações superiores. As coleções dos jornais estão repletas de declarações enfáticas, inclusive do próprio ministro do Exército, de que os militares não fariam tais incursões, cabendo-lhes o papel de apoio às polícias habilitadas para executá-las. Das duas, uma: ou as declarações eram enganosas, o que soa improvável, ou a decisão foi descumprida.
A operação contra a criminalidade ligada ao narcotráfico não está se mostrando a solução apregoada. Mostra-se mais um problema.

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