São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 1994
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Chope e salgadinhos

Uma mulher dá à luz sobre uma pia enquanto dinheiro do SUS (Sistema Único de Saúde) é desviado para comprar chope e salgadinhos. Doentes esperam horas para ser atendidos num hospital enquanto um hotel no Maranhão é credenciado fraudulentamente como hospital e obtém dinheiro da saúde.
A maioria dos profissionais recebem salários aviltantes enquanto alguns "médicos" ganham milhares de reais por mês, fraudando consultas e internações. Um médico de São Luís foi tão longe que, para de fato ter feito jus ao que recebeu, teria de ter atendido 90 pessoas por dia nos 30 dias do mês. E esses são apenas alguns dos absurdos detectados pela CPI que investigou desvio de verbas da saúde.
É evidente que corrupção, fraudes e outros tipos de adulteração ocorrem em qualquer país do mundo. Mas é igualmente evidente que há algo de errado com o país em que elas acontecem com tamanha desfaçatez e volume, quase que com naturalidade. A situação aviltante só se agrava quando se consideram os péssimos níveis de saúde da população brasileira.
Nas atuais circunstâncias, em que alguns postos de saúde não contam nem mesmo com um rolo de esparadrapo, tirar dinheiro do SUS é muito mais do que simples peculato ou enriquecimento ilícito, é algo bastante perto do assassinato.
O Brasil não vai, é óbvio, acabar com a corrupção, coisa que nenhuma nação do mundo conseguiu inteiramente. Mas o país não só pode como tem a obrigação de trabalhar para reduzi-la, e muito.
A punição exemplar de todos aqueles que participaram do butim com o dinheiro público é necessária, mas não basta. A facilidade com que pessoas inescrupulosas conseguem fraudar o Estado exige que se repense profundamente a forma como as verbas são hoje liberadas.
Não existem fórmulas prontas e cada ramo do setor público tem de encontrar a que lhe é mais adequada. A orientação geral, entretanto, deve caminhar no sentido da descentralização. O que é certo é que essas mudanças têm de vir rapidamente. É absolutamente inaceitável que o tão escasso e necessário dinheiro da saúde se transforme em chope e salgadinhos.

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