São Paulo, sexta-feira, 2 de dezembro de 1994
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Robert Redford ataca obsessão pelo lucro

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

Em seu quarto filme como diretor, Robert Redford, 57, explora com talento o mundo da TV. "Quiz Show - A Verdade dos Bastidores", que tem lançamento no Brasil previsto para 10 de fevereiro de 95, é a história real de uma fraude em um programa de TV nos anos 50.
O escândalo fez o público norte-americano perder um pouco de sua inocência: os candidatos de "Twenty-One", programa de perguntas e respostas da NBC, conheciam as perguntas de antemão.
A principal qualidade do filme é a ausência de maniqueísmo: todos os personagens, honestos ou corruptos, são ambíguos.
Nesta entrevista, Redford fala sobre os riscos que a TV representa e sobre sua juventude e jura que nunca se achou um galã.

Pergunta - Seu objetivo é despertar o público para uma visão crítica da televisão?
Robert Redford - Seria pretensioso achar que posso mudar alguma coisa na TV. Minha intenção era simplesmente contar uma boa história. Tematicamente, acho que estou cada vez mais retornando à idéia da perda da moralidade quando o lucro está envolvido. Isso se nota em quase todas as instituições: a obsessão pelo lucro. Esse filme é sobre até onde as pessoas podem corromper ou perder o autocontrole para obter lucro.
Pergunta - O sr. já participou de um programa desse tipo.
Redford - Foi uma coisa sem importância. Mas posso usar a mim mesmo como exemplo de como todos nós podemos cair nessa sedução. Eu estava em uma situação desesperadora. Tinha 20 anos, recém-casado, minha mulher grávida. Ela nos sustentava, trabalhando em um banco. Eu estudava arte dramática. Ela ganhava US$ 55 por mês. Uma pessoa me convidou a participar de um concurso na TV. "Uau! US$ 75!", pensei. Eu estava duro. Foi o que aconteceu com os personagens do filme.
Folha - O sr. sente saudade dessa época?
Redford - (Pausa) Sinto. Parte dela. Sinto falta da liberdade de observar as pessoas. Já morei em Paris. Costumava andar horas pelas ruas, observando as pessoas. Foi uma formação inestimável. Não posso mais fazer isso. Hoje todos me observam. Já disseram até que eu queria ser presidente.
Pergunta - O que o sr. acha da relação entre TV e poder?
Redford - Nos EUA, o sistema está totalmente corrompido. Você pode comprar um lugar no Congresso. Um candidato gastou US$ 30 milhões na Califórnia para comprar espaço na TV. Mas não é um problema só dos EUA.
Pergunta - O sr. se sente como Charles Van Doren (no qual se baseou a história do filme), que parecia condenado a agradar?
Redford - Não. Nunca me vi como uma pessoa bonita. Como ator, fui visto assim. Não acho que sou feio, mas também não sou tão especial. E aos poucos você fica prisioneiro desse rótulo.
Pergunta - A visão do público nos EUA mudou após esse caso?
Redford - Nada mudou de verdade. Mas nunca mais se acreditou na TV do mesmo jeito. Havia 36 concursos na TV naquela época. Todos desapareceram. Voltaram depois, mas à tarde. As pessoas esqueceram tudo rapidamente, porque ninguém foi para a cadeia. Só lembram do nome de Charles Van Doren. Seria como se descobrissem que Elvis Presley nunca cantou. O que teria sido da vida dele? Mas a TV não mudou.
Folha - Seu filme mostra que só as pessoas comuns pagam.
Redford -Quando há dinheiro no meio, sim.

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