São Paulo, sexta-feira, 2 de dezembro de 1994
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Os calendários de Lucena

A condenação pela Justiça de um cidadão que violou a lei constitui evento corriqueiro em qualquer Estado de Direito. No Brasil, porém, se o cidadão é presidente do Congresso e a lei é a que proíbe o uso de recursos públicos em campanha eleitoral, o evento assume ares de novidade e suscita mesmo um coro de reações indignadas.
De fato, a cassação da candidatura e a inelegibilidade por três anos de Humberto Lucena, devido ao uso da Gráfica do Senado com fins eleitorais, chegam a representar um marco na tradição política nacional. Práticas desse tipo, da parte de figuras públicas, costumeiramente acabavam, no país, envoltas num manto de impunidade.
A própria reação de diversos senadores é reveladora do caráter inovador da condenação. Munidos de um corporativismo irrefreado, pares de Lucena reclamaram de "intromissão" do Judiciário no Legislativo –como se a independência dos Poderes colocasse congressistas acima da lei.
Um senador, aliás, chegou ao cúmulo de protestar que a pena era forte demais porque Lucena não saberia estar cometendo crime com a impressão de seus calendários. Juridicamente descartável, essa desavergonhada alegação só faz sugerir que a prática é tão comum há tanto tempo que, para alguns, adquiriu ares de deturpada normalidade.
Outro comentário que surge à condenação de Lucena é exatamente o de que ele estaria pagando sozinho por algo que muitos fizerem. É realmente uma injustiça, não com Lucena, mas com os brasileiros que pagam os impostos desviados para fins eleitorais privados.
A cassação da candidatura de Lucena representa apenas um pequeno passo no processo de moralização do Parlamento. Depende, para ter sequência, de uma intensa fiscalização e de novas condenações sempre que for necessário. Mas não deixa de ser um sinal animador de que as novas demandas da sociedade brasileira, por legalidade e ética na esfera política, talvez tenham mesmo vindo para ficar.

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