São Paulo, sábado, 3 de dezembro de 1994
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Os apoios de Collor e de FHC

MARCO AURÉLIO GARCIA

Quando uma sociedade entra em crise e uma outra ainda não se afirmou, produzem-se no seu interior os mais perversos fenômenos. Foi mais ou menos assim que Antonio Gramsci expressou-se para descrever processos de transição histórica que se instauram com o colapso de uma forma de dominação econômica, social e política.
O Brasil, em 1989, vivia havia mais de dez anos uma interminável transição para a democracia, perturbada por aguda crise econômica que se traduzia na perda de dinamismo de um país com vocação histórica para o crescimento. A isto se somava uma inflação acelerada.
As forças tradicionais do sistema político foram incapazes de dar resposta a tal situação, o que explica por que o segundo turno deu-se entre Lula e Collor.
O primeiro representava uma corrente emergente que, por primeira vez, associava de forma consistente a construção da democracia política à conquista da democracia econômica e social.
O segundo –um aventureiro– acabou por se impor às classes dominantes, aterrorizadas pelo espectro do "sapo barbudo" e fascinadas pelas promessas de "aggiornamento" liberal de nosso falido modelo nacional-desenvolvimentista, contra o qual Lula também investia, a partir de outra perspectiva.
O resultado da aventura foi profundamente negativo. Politicamente, Collor acentuou a "privatização do Estado", há muito em curso no país, com sua máquina de pilhagem sistemática da coisa pública.
Do ponto de vista econômico, iniciou um processo irresponsável de abertura e de enfraquecimento do Estado, que acabou por afetar duramente o sistema produtivo industrial, para não falar das estripulias cometidas na área agrícola.
Seu ajuste econômico, iniciado com o grande calote do Plano Collor, penalizou em realidade aos pequenos e médios poupadores, deixando incólumes os grandes especuladores. A inflação ganhou de novo vigor legando uma pesada herança para o governo Itamar.
O abandono do esgotado modelo de industrialização substitutiva por um projeto incompatível com a dimensão e complexidade da economia brasileira teve um impacto social fulminante: crescimento sem precedentes do desemprego e deterioração das políticas públicas, especialmente saúde e educação, em um país que já ocupava os últimos lugares em indicadores sociais.
Por sorte, a sociedade e as instituições reagiram pondo fim a esse perverso fenômeno. Mas a queda de Collor teve um aspecto negativo, à medida que não foram removidos do sistema político brasileiro os elementos que permitiram que um aventureiro como ele chegasse à Presidência da décima economia do mundo.
A perversidade do "fenômeno Collor" não reside tanto no fato de ele ser um "outsider" da política, mas de ter sido beneficiado do apoio daqueles que haviam servido à ditadura militar, participado do governo Sarney e que não tiveram nenhuma inibição de ir para o governo Itamar.
Aliás, inibição é o que não lhes falta. Olha aí eles de novo, prontos para servir(se) (d)o país no governo FHC.

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