São Paulo, terça-feira, 6 de dezembro de 1994
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Llosa cai na utopia em dois novos livros

ELVIS CESAR BONASSÁ
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

O escritor peruano Mario Vargas Llosa prepara dois novos livros: o ensaio "Utopia Arcaica", sobre os movimentos utópicos indigenistas, e um romance sobre a francesa Flora Tristan.
Flora é a primeira feminista da história e, segundo Llosa, cercada de mitos. Alguns historiadores acreditam que ela é filha de Simon Bolívar. A "Carta a Uma Estrangeira", de Bolívar, seria destinada à mãe de Flora.
"Flora passou por todas as utopias de seu tempo, o que se chamava socialismo utópico. É o que ela foi, profundamente: uma socialista utópica", disse Llosa, em entrevista à Folha no domingo, enquanto aguardava o embarque para São Paulo na sala VIP do aeroporto de Curitiba.
Para o escritor peruano, a literatura é o último refúgio da utopia. Os sonhos utópicos devem ficar confinados à vida privada, porque, aplicados à sociedade e política, produzem "monstros".
Folha - O sr. está preparando o ensaio "Utopia Arcaica". Do que ele trata?
Mario Vargas Llosa - É um ensaio sobre o indigenismo em países latino-americanos, que aflorou depois da revolução mexicana. Foi uma reivindicação das culturas pré-hispânicas –astecas, maias, incas, olmecas– e uma idealização dessas culturas, verdadeira ideologia, segundo a qual essas sociedades constituíram um paraíso, destruído com a chegada dos europeus. Esse é o aspecto fictício e falaz da ideologia indigenista.
O aspecto positivo, contemporâneo, é o de denúncia das injustiças e abusos contra as populações rurais e primitivas –sociedade arcaicas incrustradas em países modernos. Com o indigenismo surgiu uma literatura e uma arte. O ensaio mostra isso a partir da obra do escritor Jose Maria Argueras. Ele se criou entre índios, até a adolescência, quando foi resgatado por sua família. Aí, passou a fazer parte da sociedade ocidentalizada. Toda a sua obra descreve este desgarramento e o confronto das duas culturas.
Folha - Mas o sr. afirma que a utopia sempre produz monstros.
Llosa - A utopia traz resultados positivos na ficção e na arte, porque tem raízes em uma grande ambição humana, o sonho de uma sociedade perfeita. É uma falácia, uma fantasia, mas o mundo da arte é o mundo da fantasia.
O homem não pode viver sem utopias, desde que não a aplique ao campo político e social, porque produz as sociedades mais cruéis e repressivas da história. Todas as inquisições resultaram de querer impor uma verdade para trazer o paraíso para a terra –mas elas trouxeram sempre o inferno.
Folha - O romance que o sr. está escrevendo, baseado na vida de Flora Tristan, também trata da utopia?
Llosa - Flora viveu na primeira metade do século 19, época de grandes utopias sociais. Francesa, filha ilegítima de pai peruano, ela foi ao Peru tratar de ser reconhecida. Não conseguiu, mas deixou seu testemunho sobre uma sociedade repressora, que vivia no caos.
Flora lutou por causas como a defesa da mulher, dos trabalhadores, a denúncia das injustiças e preconceitos. Passou por todas as utopias de seu tempo: saint-simonismo, fourierismo, coletivismo, comunalismo de Owen –era o que se chamava o socialismo utópico. É o que ela foi, profundamente: uma socialista utópica.
Sua luta foi também contra seus próprios colegas, que viam uma mulher atuar em um campo que era monopólio dos homens. Ela foi a primeira feminista consciente da necessidade de introduzir o tema da mulher na luta pela justiça.
Folha - É estritamente uma biografia?
Llosa - Não, é um romance totalmente livre, que vai tomar todas as liberdades. Vou entrar inclusive na mitologia que cerca sua figura. Existe, por exemplo, a lenda de que ela é filha de Bolívar. Há uma famosa carta de Bolívar, romântica, a "Carta a uma Estrangeira", dirigida não se sabe a quem. Há historiadores que dizem ser dirigida à mãe de Flora, a quem ele teria conhecido quando era oficial do Exército espanhol em Bilbao.

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