São Paulo, quinta-feira, 8 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Viagem a Pago-Pago é aventura caótica

SILVIO CIOFFI
DO ENVIADO ESPECIAL A SAMOA, HAVAÍ E ESCÓCIA

Robert Louis Stevenson logo percebeu em suas viagens que as línguas da Polinésia guardavam enorme proximidade: o"aloha" (bem-vindo) dos havaianos corresponde ao "aroha" do Taiti e ao "talofa" do idioma samoano.
Mas estrangeiros não são tão bem-vindos à Samoa Americana.
No aeroporto de Pago-Pago –onde as autoridades retêm passaportes–, "talofa" é apenas um cartaz pendurado na parede descascada do aeroporto.
Mas a aventura começa quatro horas antes, quando se dá o embarque no velho avião L-1011 Tristar da Hawaiian Airlines em Honolulu, capital do Havaí.
A passagem custa cerca de US$ 1.000 (ida e volta), mas se soubessem como é difícil chegar até as ilhas onde o escritor escocês viveu seus últimos anos, muitos não iriam nem de graça.
Não que a paisagem virgem, os picos vulcânicos que perfuram o horizonte muito claro, a cultura, o mar transparente e o mistério daquelas costas não valham a pena.
O lugar onde Stevenson encontrou o paraíso é bonito como um animal selvagem. O que assusta é a viagem, hoje talvez mais primitiva do que a cem anos.
No embarque em Honolulu, uma fila de samoanos radicados no Havaí carrega de tudo na sua barulhenta volta para casa.
Caixas enormes de papelão com gêneros de primeira necessidade, bicicletas semidesmontadas e malas remendadas fazem parte da bagagem dessa gente simples, forte e tatuada, de grande estatura.
A primeira impressão é desesperadora. Onde está aquele povo pacífico da Polinésia? A desordem é total, a fila não anda, o tamanho da tralha é assustador. O vôo nem por milagre sai na hora marcada.
Já dentro do avião completamente lotado, o barulho é enorme. São poucos os não-samoanos a bordo e a exceção são funcionários do governo norte-americano e um ou outro pescador português que vai a Pago-Pago para trabalhar nos barcos que capturam atum.
Ritmos polinésios embalam a loucura. A música alta obriga o passageiro a gritar, coisa que os samoanos fazem com entusiasmo.
As moças –enormes e metidas em vestidos floridos– têm todas colares de flores e folhas que havaianos chamam de"lei" e samoanos de "ula" em volta do pescoço e nos seus cabelos muito lisos.
Pelas tantas, quando o passageiro se indaga do porquê de ter deixado o Havaí, o comandante clama por um mínimo de ordem: se as pessoas não sentarem, o avião não decola.
Para reforçar o pedido do piloto, as aeromoças repetem os avisos em samoano. Há barulho, gemidos, gente tentando se acomodar, bagagens que caem dos maleiros.
O avião se move e vibra enquanto esquenta as turbinas cansadas em aceleradas vertiginosas.
É quase impossível não ler o folheto com instruções de segurança e o alerta sobre hepatite.
Stevenson, naqueles barcos que faziam comércio e cruzeiros pelo Pacífico no final do século, devia ter mais certeza de sua chegada.
Só ao anoitecer, quando o L-1011 Tristar já está voando desengonçado sobre um mar de nuvens e batendo lentamente suas asas com a matrícula raspada em direção da Samoa Americana, surge a resposta àquele desesperado "o que é que estou fazendo aqui?"
E surge na forma do sol que se põe no céu azul, num espetáculo que existe apenas na Polinésia e em nenhum outro lugar.

Texto Anterior: Precariedade e atraso são lado bom de Pago-Pago
Próximo Texto: Cidade é para marinheiros de várias viagens
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.