São Paulo, sexta-feira, 9 de dezembro de 1994
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UM HOMEM TROPICAL

MARISA ADÁN GIL

Folha - Você gostaria que sua música chegasse aos jovens? Fica desapontado por não ter suas canções tocadas em rádio?
Tom Jobim - Eu espero conseguir chegar nos jovens, porque são eles que ouvem os discos. Não fico desapontado não, porque eu, como músico, não ouço rádio. Fico surpreso quando alguém me diz que ouviu alguma coisa.
Eu gostaria que a minha música levasse os meninos a Deus. É uma música que leva à luz, à luminosidade, não é uma música pra destruir as pessoas. Eu criei quatro gerações de roqueiros, aqui nessa casa só se escuta rock, como em todas as casas. Mas meus filhos tiveram a oportunidade de ouvir um pouco de música brasileira.
Folha - Você nunca quis ficar definitivamente nos EUA?
Tom - Nunca. São raras as pessoas que ficam. Todas as que eu conheço voltaram. Eu pego uma moça como você e jogo num país estrangeiro, como é que você vai ficar lá? Falando uma outra língua, caindo aquela neve, como é que é isso?
Você vai ter saudade aqui dos trópicos, da "visão do paraíso", como dizia Sérgio Buarque. Um homem tropical criado na terra das palmeiras não vai aguentar viver no frio, a 40 graus abaixo de zero. Ter que ficar dentro de casa, acender um fogo. Se a pessoa for pequenininha, pode ser, porque a adaptação é mais fácil. Agora, pegar um burro velho como eu, que foi com 35 anos, não dá certo.
Folha - Nos EUA, você se sente mais bem tratado?
Tom - É lá fora que você ganha os prêmios, que reconhecem o valor da pessoa. Mas o preço é caro, você tem que viver fora do seu país. As críticas sempre partem de brasileiros. Quando vem um Antonio Brasileiro e escreve música brasileira, dizem que ele não é brasileiro. Tenho uma mágoa relativa, porque aconteceu com Portinari, Niemeyer, Villa-Lobos.
Folha - Como é a sua relação com o dinheiro?
Tom - Não cuido de dinheiro, não assino cheque, não quero saber. Tem uma porção de gente que cuida. Não tenho os direitos sobre a minha obra. No início da carreira, você assina qualquer coisa. Depois vê que cedeu direitos para os editores, o que, aqui no Brasil, é vitalício. No exterior, não tenho controle. Ganho uns trocados.
Nunca vi um compositor viver de direitos autorais. Todos fazem show. Se o Tom Jobim vai pro Japão, é porque está precisando de dinheiro. Se você não precisa de dinheiro, pára de fazer show.
Folha - Você apoiou Fernando Henrique Cardoso.
Tom - Eu apoiei e votei. Tenho esperança de que ele dê um jeito nessa miséria, que vem da má administração. O FHC é um homem ponderado, já foi preso como comunista, tem todas essas qualidades... Para nós, uma pessoa socialista representa um interesse real em resolver os problemas. Não é possível que o Brasil seja um país de meia dúzia de milionários.
Folha - Como você lida com a reputação de gênio?
Tom - De uma maneira geral, as pessoas me tratam de uma maneira muito simples. Sou avesso a uma coisa pomposa. A "Bíblia" diz que Deus separou o homem de suas obras. Você não é dono da sua obra. Aliás, com os contratos que nós assinamos, não somos donos mesmo (risos).
A única vantagem que o guerreiro tem sobre os seus colegas homens é que o guerreiro sabe que vai morrer, então as coisas ficam mais importantes. Ele sabe que tem que fazer as coisas a tempo. Isso está no Castañeda.
Folha - Você pensa em trabalhar com novos parceiros, novos músicos?
Tom - Essa palavra "novo" é a palavra mais usada nos anúncios. Que eu saiba, a única coisa que tem de novo todos os dias é o sol de manhã. Mas eu acredito ser o mesmo sol que iluminava o meu tataravô.
Folha - Vai haver mesmo uma autobiografia?
Tom - Como é que eu vou achar tempo para fazer uma autobiografia? Me ofereceram dinheiro em Nova York para que eu escrevesse, direto em inglês. Mas precisa de tempo para fazer isso, teria que ficar sentado num computador. Gostaria de escrever para esclarecer coisas. Se tiver tempo, eu faço. Mas também deve ser uma coisa um pouco dolorosa.
Folha - Qual é a sua religião?
Tom - Eu sou nascido católico, mas nunca fui muito de ir à Igreja. Eu creio em Deus. Tem a ver com tudo, com a música, com a natureza. Está nas árvores, nos passarinhos, nas mulheres.
Folha - Como lida com a velhice?
Tom - Velhice é boa, mas... Perguntaram pro Drummond como é que é ficar velho. "É uma merda", ele disse. "Não queira ficar não, porque é uma porcaria." Vou fazer 68 anos agora em janeiro. Tenho amigos meus que estão carecas e não querem mais saber de nada. Mas a vida é isso mesmo, chega uma hora que tem que descansar um pouco.

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