São Paulo, segunda-feira, 12 de dezembro de 1994
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Um jardim para Tom

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Ainda bem que não fizeram enterro oficial para Tom Jobim. Ele não merecia aquilo que os franceses chamam de "pombas fúnebres". Aliás, Tom não merecia nada fúnebre, seu enterro foi simples, sem ordem unida, sem dragões da independência, sem tiros, ele e o povo que ele cantou, a cidade que ele amou. Parou para ver quem quis, chorou quem teve vontade, sem o apelo de emoções programadas.
Que me lembre, foi o primeiro velório num Jardim Botânico – que Tom considerava o quintal de sua casa. Reduzido à simplicidade mais simples da matéria humana, ele até que ficou bem no meio das árvores e plantas. Deveria ter sido enterrado lá, uma planta a mais, árvore que sempre dará sombra.
Aliás, não faz muito, comentei que o carioca prefere ir para o Caju. O São João Batista não é confiável. Pois Tom deveria ter ficado no Jardim Botânico – já que ficou impossível ficar com a gente.
Ele curtia o maravilhoso, acreditava em fetiches, daí o seu compromisso com essas pedras enormes do Rio, com as árvores, com os passarinhos. Houve um tempo em que cismou de deixar a bebida, recusou os macetes oficiais e oficiosos. Jogou toda as fichas num tal de Lourival de Freitas que encarnava Nero, fazia curas e levitação sob o patrocínio de Agripina. Nero obrigou-o a ingerir uma abominável beberagem de ervas estranhas, só o cheiro já dava para causar vômito.
Tom aceitou com alegria o sacrifício, chegou a perder peso e por um tempo deixou de beber – o que não era vantagem, tomar aquela poção botava o sujeito em frangalhos, incapaz de abrir a boca para escovar os dentes.
Quando soube que não estava dando sorte com a saúde, apelou novamente para o maravilhoso. Era um pacto que ele cumpria gostosamente: com a magia do mundo e das coisas (incluindo no pacote as mulheres).
O sucesso que conquistou, o dinheiro que ganhou – tudo isso resvalava por ele, não penetrava nele. Lá dentro, foi sempre o menino que olhava a vida com deslumbramento, que renascia todas as manhãs, com a inocência do Jardim Terrestre antes do pecado.
Deviam ter deixado o Tom no meio do jardim. Um merecia o outro.

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