São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 1994 |
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Escritor cria 'Jules e Jim' da era da Aids
BERNARDO CARVALHO
A história de um menino de 9 anos que tomava ácido com o irmão de 16 e testemunhava a morte deste despertou a atenção de vários editores –Cunningham acabou nas mãos da prestigiosa Farrar, Straus and Giroux, que publicou o livro em 1990. "Uma Casa no Fim do Mundo", cujos direitos foram imediatamente vendidos também para Hollywood, acompanha a vida de dois meninos de Cleveland (Ohio), até formarem, paralelamente ao surgimento da Aids, um triângulo amoroso com uma amiga em Nova York –não sem a influência do clássico "Jules e Jim", de Henri-Pierre Roché, consagrado pela adaptação de François Truffaut. O próximo romance de Cunningham, "Flesh and Blood" –a saga de uma família de imigrantes–, a ser lançado em abril, também já foi comprado por Hollywood. Depois de ter sido barman, tentado a sorte numa fazenda e trabalhado escrevendo releases, Cunningham já pode pensar em ganhar a vida só com seus romances. O escritor falou à Folha por telefone de Nova York, onde mora. Folha - Várias resenhas nos EUA disseram que seu livro buscava uma alternativa para a família tradicional. Concorda? Michael Cunningham - Uma das coisas que aprendi com a crise da Aids é que a família, com que você deveria contar quando o resto do mundo te esquece, não dá necessariamente esse apoio. Vi pessoas com Aids serem rejeitadas por suas famílias e adotadas pelas famílias que elas próprias criaram entre os amigos. Vi esses amigos fazerem coisas que pensava que só as famílias fariam –limpar a merda e o vômito. Isso me despertou para a necessidade de uma definição mais ampla de família. Folha - Ao mesmo tempo, você mostra nesse livro uma decepção semelhante em relação à família alternativa. Cunningham - Não estava querendo fazer propaganda de uma nova família idealizada. O livro é sobre seres humanos, que decepcionam uns aos outros. Folha - Por que a ficção americana é obcecada pela família? Cunningham - A cultura americana é obcecada pela família. Não sei por quê. A última eleição colocou todos esses conservadores assustadores na direção do país. A reivindicação deles é mais uma vez "valores familiares". Folha - Você acredita numa literatura gay? Ou acha uma bobagem? Cunningham - Acho que foi uma bobagem necessária. É importante que haja livrarias gays e seções de livros gays. Espero que chegue logo o momento em que isso não será mais necessário e que as pessoas sejam apenas encorajadas a ler o maior número de livros possível sobre uma maior variedade de experiências. Folha - Você também é militante do Act Up (movimento de conscientização sobre a Aids e os direitos dos homossexuais). Você acha que a militância ajuda ou atrapalha a literatura? Cunningham - Para mim, é necessário fazer os dois. Acho que os romances são inevitavelmente políticos, mas agem de uma forma muito lenta. As pessoas estão morrendo agora e não tenho tempo para esperar até que um de meus romances tenha algum pequeno efeito na consciência nacional. Texto Anterior: Guerreiro deve escutar adversário Próximo Texto: 'Planeta fashion' repete seus códigos em NY Índice |
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