São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Coitado do Collor

RICARDO SEMLER

Ah, agora vai mudar tudo, diziam na semana passada. Com o governo FHC, que será basicamente honesto, a coisa vai. Em seguida, o "affaire" Lucena, arrematado pela inocência do Fernandinho. Desânimo geral. No fim, não é uma coisa nem outra.
Num "Roda Viva" de alguns anos atrás, levei pau geral quando disse que o Brasil é um país corrupto. No sentido do verbo estar. Está, há décadas, corrupto. Nós é que não gostamos de ouvir.
Dias atrás o cupincha do ACM, embaixador Flecha de Lima, fez outras de suas habituais declarações bovinas ao contestar o respeitado Freedom House, que coloca o Brasil entre os países semilivres.
Claro que estão certos os gringos. Já o Lucena foi considerado um coitado, e serviu para esclarecer que nada mudará no Senado.
O Collor, este sim, sofreu um coito. Um moço aventureiro, desequilibrado, megalomaníaco, que não tinha o enriquecimento como sua principal meta.
Ele queria, de fato, ser um estadista, um redentor do Brasil, e via os esquemas como parte necessária da tarefa, com eventuais benefícios pessoais de quebra. Se fosse habitante de um manicômio, ia ser aquele que fica com a mão dentro do casaco, achando que é Napoleão. Merece compaixão.
Os verdadeiros beneficiários dos grandes esquemas nacionais estão tranquilos, e assim ficarão. Nenhum empreiteiro sofreu mais do que multinhas, que aliás acabaram saindo de reajustes especiais concedidos por governadores bandidos.
O senador-despachante Gilberto Miranda fez e desfez esta semana com concessões de verbas no Orçamento, incluindo lá R$ 60 milhões para a Zona Franca de Manaus, onde ele é príncipe, e até R$ 5,2 milhões para outro amigo comum dele e do Collor, o Edemar Cid Ferreira, que tanto esbravejou nos jornais a respeito do lucro e do sucesso da Bienal, e que agora recebe esta esmola milionária.
Pela primeira vez a Bienal entra no esquema dos amigos de Collor, depois de sofrer o fracasso de aguardar 1 milhão mas receber parcos 200 mil visitantes.
O Brasil não mudou, nem mudará tão logo. O filhinho do Maluf foi inocentado, o esquema Paubrasil será arquivado, as obras correrão soltas com os empreiteiros de sempre, e até o orçamento irresponsável da cidade, que nos quebrará, passará sem problema. Do mesmo jeito que o Fleury passou o pacote "carandiru" de 2 bilhões.
Nossas Casas legislativas são compostas por carneirinhos do poder e da influência, e a nova composição delas não altera coisa alguma.
Por isso é essencial e pragmático que o FHC loteie cargos, tentando preservar o possível da seriedade. Sem estas Casas não se governa e não se sobrevive, como descobriu Collor Bonaparte.
Num país onde se dá meia nota, onde médicos recebem por fora, e onde até gerentes de compra de multinacionais pedem propina, nada pode ser mudado a curto prazo.
Se o novo e honesto governo conseguir reduzir em 10% a corrupção no país, devemos nos dar por satisfeitos, e até eufóricos. Somos um país corrupto, e temos décadas de trabalho pela frente.
O Collor, coitado, não pode andar na rua por medo de ser xingado ou levar um ovo na testa. Os verdadeiros donos do poder e da bandalheira, porém, andam tranquilos pela avenida Paulista, pelo centro de Salvador e pelos soturnos corredores do Congresso. Nada tira a paz dos donos deste país, muito menos a placa "Sob Nova Direção".

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