São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Os economistas discutem o Brasil do real

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

"Isso não é o fim. Não é nem mesmo o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo."
(Winston Churchill sobre a batalha do Norte da África)

De volta ao Brasil, tivemos nesta semana o Encontro Anual dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec), a principal reunião anual dos economistas do país. Neste ano, o encontro (bem organizado pela direção da Anpec) deu-se em Florianópolis (SC), de quarta a sexta-feira.
É muito comum ter-se duas idéias simplificadas sobre os economistas. Ou se tratam de sujeitos chatos e engravatados que trabalham para bancos comprando ações e ganhando dinheiro, ou são sujeitos nervosos, cada um com uma combinação diferente de idéias (vindo daí a observação de George Bernard Shaw de que "se perfilassem todos os economistas em linha, não se alcançaria a conclusão").
Mas isso não é assim. Há, de fato, grupos de economistas com visões distintas mas, com algum esforço, consegue-se delinear bem os debates e como eles se devem a hipóteses distintas, valores pessoais não coincidentes e avaliações dissimilares sobre o futuro.
Nesse encontro tivemos vários debates sobre temas mais especializados, ao lado de painéis de discussão da política econômica brasileira (em horários não coincidentes).
A aula magna do ano foi proferida por Afonso Celso Pastore, da USP, e houve aulas especiais de professores estrangeiros visitantes (inclusive de Robert Lucas, professor da Universidade de Chicago, formulador de teses que mudaram a macroeconomia nos anos 70 para um enfoque mais dinâmico).
Um dos temas mais debatidos sobre a política econômica brasileira foi o desequilíbrio da taxa de câmbio. O painel organizado pelo ex-ministro Paulo Haddad sobre a conjuntura econômica, com a participação de Paul Singer, Fernando Holanda Barbosa, Luís Gonzaga Belluzo e Roberto Macedo teve uma quase unanimidade de que a atual combinação de taxa de juros real elevada e câmbio apreciado é nefasta.
A mesma opinião foi expressa por Afonso Pastore e Ibrahim Éris em outra discussão sobre a política monetária, cabendo a Dionísio Dias a inóspita tarefa de defender a manutenção da taxa de câmbio no nível atual. Mas vamos voltar ao primeiro painel.
Paul Singer pensa que em 1995 uma série de conflitos distributivos, que ainda se encontram meio amortecidos, devem vir à luz. O perigo representado pela taxa de câmbio apreciada e o temor quanto à destruição de empregos, se um cenário de taxa de câmbio muito apreciada for mantido por muito tempo, é uma área de tensão.
Neste ano, Singer sugere que a flexibilização do câmbio se dê junto com a reativação das câmaras setoriais, para que existam espaços de negociação entre patrões e empregados, que busquem não repassar aos preços os ajustes no câmbio e em outros preços relativos.
Fernando Holanda propôs que a política de juros elevados do Banco Central é, ou deveria ser, transitória, mas fornece alguma forma de âncora monetária ao Plano Real. No entanto, como o diferencial entre a taxa de juros interna e a externa está muito elevado, isso ajuda a apreciar a taxa de câmbio real.
Sua sugestão seria a de adoção de taxação elevada sobre a entrada de capitais em moeda (eximindo-se os investimento diretos produtivos) e permissão de flutuação da taxa de câmbio em uma banda cambial.
Luís Gonzaga Belluzo apresentou análise escrita de como o Plano Real pôde se beneficiar de uma conjuntura externa favorável. Registrou, com muita propriedade, que nas circunstâncias brasileiras, a política monetária tradicional tem baixa eficácia.
Tanto a zeragem automática das operações bancárias por parte do Banco Central quanto a entrada de capitais pelo balanço de pagamentos modificam os resultados que se esperaria de taxas de juros elevadas.
Dado o cenário atual de câmbio valorizado e incerteza quanto à trajetória futura da inflação, Belluzo observou que muitas empresas estão dolarizando seus passivos, o que torna a economia mais vulnerável a choques externos.
Convencido, no entanto, de que o Estado no Brasil precisa de uma reforma profunda, Belluzo defendeu que o governo deve procurar o equilíbrio fiscal com tenacidade ou mesmo buscar um superávit operacional como condição para uma estabilização duradoura.
Roberto Macedo fez uma exposição divertida e ágil, discorrendo sobre as dificuldades de manter a inflação baixa. De forma bem humorada, ele lembrou que lá na Faculdade de Economia da USP nós temos um corredor que ele propõe chamar de a "ala dos caídos": aqueles que tentaram segurar a inflação, mas caíram.
Macedo apontou tanto os problemas que precisarão de alguma sinalização breve (problema cambial, reforma fiscal, desestatização, reforma do setor público, bancos estaduais e crise da Previdência), como listou fatores que dão base para se ter esperanças.
Comparado com o final do governo Sarney, por exemplo, o controle das finanças públicas federais é hoje muito melhor (fechamos 1989 com um déficit operacional próximo de 7% do PIB, comparado com algo como zero ou 1% do PIB em 1994), temos mais reservas e aprendemos com os erros dos planos anteriores.
Além disso, teremos um presidente que sabe discernir e há apoio político para as reformas a serem efetuadas. Mas é apenas o fim do começo da batalha...
O próprio professor Roberto Macedo fez um alerta sério. A gestão FHC precisará justificar o "S" da sigla do PSDB. Se não o fizer, o partido tomará a cara do PMDB do final do governo Sarney, quando o lema do "tudo pelo social" revelou-se uma promessa vazia.
Um balanço aponta que a maioria dos economistas vê com restrições a atual combinação de taxa de juros e câmbio. Também há uma quase unanimidade de que o ajuste fiscal e a reforma do setor público devem ser os pilares de sustentação do novo período da economia.
Nesse sentido, a indicação de José Serra para o Ministério do Planejamento é boa porque Serra tem as condições de preparo, firmeza e densidade política para conduzir o desafio das reformas do Estado.

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