São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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O maior inimigo da onda globalizadora

JOSIA DE SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O embaixador Italo Zappa, 68, visto como cultor da política de aproximação do Brasil com a África, divide o mundo em três partes: os "supermercados", categoria em que inclui os Estados Unidos, os "mercados", representados, por exemplo, por algumas nações européias, e as "feiras livres", tipificação que se aplica às nações subdesenvolvidas da África.
Zappa costuma dizer, ainda hoje, que o Brasil não pode desprezar o ambiente das "feiras livres", onde, segundo acredita, é possível fazer bons negócios.
Porém, num mundo voltado para as relações globais, com ênfase na formação de blocos econômicos, a disputa dos "supermercados" e dos "mercados" tornou-se prioritária. E o discurso de "feirante" de Zappa, antes apenas polêmico, passou a ser considerado anacrônico. Mesmo no Itamaraty.
Hoje, Zappa evita meter-se em controvérsias. Indicado para inaugurar a embaixada brasileira em Hanói (Vietnã), posto que se enquadra na classificação de "feira livre" e que muitos de seus colegas considerariam como um exílio, o símbolo da africanização da política externa esquiva-se de entrevistas.
Mas a intimidade dos diálogos reservados com os amigos revelam um Zappa fiel ao ideário de viés protecionista, com uma pitada de desconfiança em relação a teses como a da globalização da economia, muito próximas do consenso.
Zappa questiona, por exemplo, a validade da política brasileira de crescente liberalização de alíquotas de importação. Critica também a prioridade que a diplomacia brasileira atribui à consolidação do Mercosul. Na sua opinião, uma economia industrializada como a brasileira não pode condicionar suas decisões aos interesses de países como a Argentina e o Uruguai. Zappa acha que o Brasil tem muito a perder e seus parceiros muito a lucrar.
Ele enxerga a pregação em favor da globalização como uma espécie de substituta da "teoria das fronteiras ideológicas", que dividia o mundo entre aliados dos EUA e amigos da União Soviética.
No novo mundo unipolar, a globalização serviria aos interesses dos Estados Unidos, que buscam a ampliação de sua "zona de influência" no mundo. A globalização não passa, na visão de Zappa, de mais um rótulo.
Aliás, Zappa abomina rótulos. Rejeita com veemência o carimbo de "terceiro-mundista" que grudaram em sua biografia. Enxerga a classificação como uma forma de desmerecer o seu trabalho.
A fama recusada por Zappa consolidou-se sob o Brasil de Geisel, que assinou o acordo nuclear com a Alemanha, azedando as relações com Washington, e foi o primeiro país ocidental a reconhecer a independência de Angola, então submetida a um regime de coloração marxista. Zappa dizia que, antes de Geisel, trabalhava no "ministério das não-relações exteriores". Queixava-se das limitações impostas pela Guerra Fria. Dizia que, ao gravitar em torno dos interesses dos EUA, o Brasil deixava de se relacionar com metade do globo.
Além da África, pregava a necessidade de estreitamento de relações com nações como a China comunista. Zappa chefiava na ocasião o Departamento das Américas e do Resto do Mundo (África, Ásia e Oceania).
Hoje, embora pouco influente, é um personagem respeitado no Itamaraty. Existe à sua volta uma atmosfera de romantismo. Os novos tempos não impediram, por exemplo, que fosse convidado, em meio à gestão "primeiro-mundista" de Collor, para ser paraninfo de uma turma de formandos do Instituto Rio Branco.
(Josias de Souza)

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